terça-feira, 30 de novembro de 2010

Entre as flores e as dores


Ontem, fim de tarde, quando eu saía pra universidade, pra trabalhar, me encontrei, e também me despedi, do jardineiro que chegava em casa para a poda do mês.
Só hoje cedo vi que ele cortou por completo uma trepadeira, chamada jasmim-estrela, linda, que fechava, cobria, todo o pergolado de uma das garagens de casa.
A trepadeira, que derrubava com ela belíssimas flores brancas de cinco pontas, se foi, deixando o ambiente mais claro, menos aconchegante.
Questionei minha mãe sobre o corte da planta, e ela me contou que a trepadeira estava sufocando, matando, se já não tinha matado, a outra trepadeira vizinha, chamada de sapatinho-de-judia, que é um desenho da natureza, que ganha muitos elogios e fotografias quando floresce.
Fiquei pensando que era uma pena. A trepadeira cortada havia criado um ambiente lindíssimo, de muito verde, mas não soube conviver com a outra planta sem atrapalhá-la.
Durante estes últimos dias, enquanto via a ação policial no Rio de Janeiro, fiquei imaginando o tempo que durou o sofrimento das famílias inocentes rendidas ao monopólio dos criminosos.
Por meio de algumas entrevistas, entendi o quanto o tráfico significava leis e regimentos para aquelas comunidades, leis fora da lei comum, leis criadas na humanidade de um grupo desumano.
Foram décadas de exploração, de medo, de incertezas, tudo porque a natureza parece exigir, para o funcionamento de tudo, a hierarquia, o domínio, o comando.
Fico pensando nas linhas tênues que delimitam o respeito ao espaço, aos direitos, ao corpo, à alma, à integridade e à dignidade, e penso que é mesmo difícil pensar em tudo isso quando até a natureza parece exceder seu espaço e invadir e sufocar, se for preciso.
A verdade é que, em algum momento, quando o abuso se torna insuportável, quando a última gota enche o copo, o excedente precisa, e é cortado de vez, pra que o oprimido respire novamente, se ainda não tiver desfalecido.
Tocada pelo que ando vendo na TV, me felicito imensamente, talvez porque sinta que existe uma esperança de aquelas pessoas inocentes, daquelas crianças que já viram a criminalidade e o medo de tão perto, respirarem novamente, aliviadas, tranquilas.
Quanto ao sapatinho-de-judia, que também floresça aliviado. Que agora, sem o lindo jasmim-estrela de flores brancas, tão lindo, tão asfixiante, a planta que fica, floresça ainda mais.

sábado, 27 de novembro de 2010

O melhor dia do mundo


Leciono, na maioria dos dias, no período noturno.
Um dia da semana, porém, acordo às seis da manhã, horário que acho uma covardia pra comigo, pra com os alunos, e vou dar aulas de literatura pra colegial.
Não sei se sei esconder o martírio que é pra mim acordar cedo assim. Sou completamente noturna. Durmo tarde demais, sempre.
Gosto da programação da TV da madrugada, dos filmes antigos que os canais resolvem passar, achando que não haverá quem assista; e a parte da manhã, acaba sendo, pra mim, o horário do meu melhor sono.
Nessa última semana de muito calor, dormi com a janela aberta. O relógio despertou às seis, me avisando que era dia de aula, que era dia. Foi um daqueles dias em temos a impressão de nem ter dormido, em que achamos que o relógio despertou errado, tanto era o cansaço.
Com a janela aberta, comecei a prestar atenção ao dia que estava nascendo. O céu, alaranjado, refletia nas paredes do meu quarto, enquanto os passarinhos faziam uma sinfonia.
Me debrucei na janela, e fiquei observando a cor das flores penduradas no pergolado do jardim. A cor roxa e convencional das flores ficava alterada, mista àquele alaranjado lindo do céu. Encantada com as flores, com as cores, querendo imortalizar o momento, peguei a câmera, e fiquei a fotografar as flores por alguns minutos.
Achei engraçado como num dia que considero cansativo, estressante, escolhi valorizar o que a manhã estava me dando de presente.
Fiquei pensando nos meus dias tão rápidos, na minha vida corrida, em como somos consumidos pelo imediatismo de nossa cultura, tendendo a prestar pouca ou nenhuma atenção aos pequenos belos momentos que certamente propõem uma pausa ao nosso dia acelerado.
Com uma amiga que me lembra sempre destes detalhes, ando aprendendo a comer fruta do pé, ando aprendendo sobre a ordem das coisas, no meio das desordens humanas, ando valorizando os pedaços de céu que ainda existem em algumas fendas dessa vida tão terrena.
Continuo sendo noturna, amando filmes, tendo um sono mortal pela manhã. Mas mesmo nas manhãzinhas em que os olhos estão quase fechados de tanto sono, eles tem enxergado o sol alaranjado, tem visto as flores mudando de cor, tem buscado notar cada coisa que avisa que o dia, que poderia ser só mais um dia, tem tudo para ser o melhor dia do mundo.
Pode não ser fácil. Arrisco até dizer que seja um processo de aprendizado, mas o que sei é que, ao final, a escolha é só minha.

domingo, 21 de novembro de 2010

Será que eu estou assim, muito velha pra isso?


Hoje acordei cedo. Talvez cedo até demais.
A cabeça cheia de idéias sobre o artigo que preciso escrever para ser entregue daqui a quinze dias, cheia de outros contratempos, decidiu não querer descansar e pensar um pouco mais, querendo achar solução, querendo poder resolver os contratempos todos o quanto antes.
Como pela manhã todos eles não poderiam ser resolvidos, tomei um café da manhã lento e pensativo, depois almocei pouco, comendo só daquilo que eu gostava de fato, num dia nada tradicional pra quem tem pai e mãe experts na cozinha.
Durante a tarde, resolvi lidar com alguns dos contratempos, aqueles que estão ao meu alcance, e que dependem, em sua integridade, de mim. Decidi, com todas as minhas forças, tentar terminar meu artigo. Talvez para ocupar a mente, ou talvez para desocupar a mente.
Me sentei no meu mini-escritório, no canto do quarto, rodeada por cadernetas escolares, livros de literatura, livro de psicologia, dicionários e papéis, aqueles papéis e documentos, que não cabem em lugar algum, porque não usamos, mas porque quem sabe usaremos logo.
Abri primeiro o site da UOL e vi uma manchete sobre uma palestra do Roberto Shinyashiki em algum lugar. Li a crítica e quis pesquisar mais sobre ele na internet. Entre muitas sabedorias, li coisas como:
“"Lembre-se: Você é do tamanho dos seus sonhos”, assim subjetivas, ou
“Seja ético: a vitória que vale a pena é a que aumenta sua dignidade e reafirma valores profundos; pisar nos outros para subir desperta o desejo de vingança”, mais imperativas e objetivas; e outras mais sentimentais também, mas muito bem refletidas, como:
“O amor é um jogo cooperativo. Se vocês estão juntos é para jogar no mesmo time.”
Sentada na frente do computador, querendo encher a cabeça, querendo esvaziar, sem saber o que queria, só sabendo o que tinha que fazer, escrevi grande parte do meu trabalho.
Depois, sem saber o porque, quis ouvir Paralamas, “Me liga”.
A música é belíssima e canta a história de um amor em tom de Batalha Naval ou de “War”, jogo que eu, nada estratégica, nunca soube jogar.
“O nosso jogo não tem regras nem juiz.
Você não sabe quantos planos eu já fiz
Tudo o que eu tinha pra perder, eu já perdi
O seu exército invadindo o meu país.”

A música está, assim, até agora, no repeat, talvez pela décima vez, enquanto eu penso que gostei do Roberto Shinyashiki.
Ainda me lembro de minha mãe me contando que esteve no elevador, com ele, numa viagem pra São Paulo, no começo do ano. Penso, agora, que se fosse eu no elevador, nada tímida, eu, que converso muito, sempre, na fila do pão, no ônibus, talvez perguntasse pra ele mais sobre essas assertivas tão importantes, querendo entender de vez coisa que talvez eu não entenda.
Mas enquanto não conheço o Roberto Shinyashiki, penso nele, penso no meu artigo, penso em Batalha Naval. Penso se ainda está em tempo de aprender a ser mais estratégica, invadir países, se ainda dou conta de aprender a jogar jogos cooperativos, ou se ainda posso aprender a jogar War.
Será que eu estou assim, muito velha pra isso?

sábado, 30 de outubro de 2010

Loucuras e sábados


Alguns, os que me conhecem melhor, sabem que meu dia preferido na semana é a sexta-feira.
Penso que gosto da sexta-feira porque é o dia que antecede o sábado, dia em que oficialmente não trabalho, descanso, passeio muito com os amigos.
Vendo por este lado, acho que meu dia favorito é o sábado, mas prefiro gostar da véspera. Prefiro gostar do dia da espera, até porque se eu deixasse pra gostar do sábado no sábado, ele passaria muito rápido.Curto o sábado desde a sexta, e assim o meu sábado fica com 48 horas.
Sim, alguns, os que me conhecem melhor, sabem que tenho as minhas loucuras. O que me conforta é que todos as tem.
Há quem beba refrigerante no primeiro semestre e cerveja no segundo, há quem tenha autorização pra pilotar balão, há quem estude e trabalhe quando tem autorização pra descansar.
Acontece que hoje, sábado, amanheceu chovendo. Depois de uma semana de muito calor, que anunciava um sábado ensolarado e lotado de planos, a chuva desabou, com vento, com frio.
Obrigada a ficar em casa, vendo, lá fora, a água escorrendo pelas folhas das plantas, ouvindo os pingos batendo na ferragem da janela, faço do meu sábado um mero dia de semana: lotado de estudo e trabalho.
Lá se vai meu dia de passeio, de folga, e me lembro novamente de gente que estuda e lê, quando poderia descansar e pensar em tudo, menos trabalho. Penso que só me falta aprender a pilotar balão, que acho mais possível do que abrir mão do meu vício por refrigerante durante seis meses.
Se a chuva resolver abandonar o fim de semana – coisa que acho quase impossível -, que o sábado venha acompanhado de uma noite deliciosa, regada a cerveja – permitida no segundo semestre.
Agora, se a chuva decidir que veio pra ficar - que eu acho que veio - nos restam as leituras de livros, de revistas, os filmes românticos, os documentários sobre macacos e índios na TV Senado.
Seja como for, a todos nós, um ótimo sábado.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Perdas e Ganhos


Terça-feira à noite, fim de feriado.
Ainda me lembro que, no começo do ano, me organizando para o semestre letivo, me atentei aos feriados. Calculei, contei as aulas, pensei nas perdas de matérias para os alunos, e este feriado, como os outros que estavam assim, lááááá no que chamamos de fim de ano, me pareceu totalmente distante, me pareceu que não chegaria. E agora, enquanto escrevo este texto, só consigo pensar que o feriado já acabou.
Este feriado, que parecia distante, e que já teve começo, meio e fim, foi uma data marcada por emoções fortes. Um amigo querido, daqueles que a gente gosta de encontrar, porque não tem problemas pra contar, apenas boas notícias - abarrotadas de um bom-humor invejável - se foi, traído pelas estradas, traído pelo carro, ele e outro amigo.
Foi um feriado de perdas, de vazio, experimentado por pais, mães, irmãos, colegas, e amigos, que são, por vezes, como irmãos.
O Pedro, meu amigo, desta vez, não me trouxe boas notícias, e experimentei de pouco humor. Esta terça-feira me trouxe um encontro muito diferente dos outros que tive com ele.
No fim da noite, após sair um pouco, desfrutar de boa companhia, me esquecer das perdas por alguns instantes, cheguei em casa em tempo de ver o resgate do primeiro mineiro chileno, preso a quase 700 m de profundidade, depois de um desastre, como outros 32 trabalhadores.
Fico pensando nas emoções a que estiveram sujeitas as famílias dos mineiros. Penso em tudo o que pode – e deve - ter passado pela mente das esposas, dos filhos, dos pais, em tantas noites mal-dormidas.
Penso em tantos momentos de desespero que podem ter acometido as esposas, talvez debaixo do chuveiro, enquanto a água caía, e o pensamento estava lá, com os maridos, debaixo da terra; ou talvez, nos momentos das refeições: filhos e mulheres vendo o lugar do pai vazio. Podem ter havido aniversários, quem sabe, sem aniversariante, ou eventos de pré-escola, com filhos sem saber se o pai chegaria, em tempo de ver, em tempo de viver.
Acontece que, como já falei, vi o resgate de alguns destes homens, e ainda estou vendo.
Penso que assistir a esta volta, talvez me tenha motivado a ver que o feriado também foi um feriado de retornos. Alguns homens, diferente do Pedro, puderam voltar, estão voltando para casa.
Homens que vivenciaram, física e psicologicamente, a morte, de maneira muito particular e próxima, tiveram, felizmente, a chance de experimentar da vida, mais uma vez.
Com perdas e ganhos, danos irreparáveis e momentos de esperança, me ponho a pensar no próximo feriado. Que ele venha com mais ganhos do que perdas, com mais esperança do que desespero, com mais retornos, com mais sonhos, com mais futuro do que os outros dias.
E que eu tenha sempre uma boa companhia que me lembre dos ganhos e dos planos, ainda que saibamos das perdas e das lutas.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Indefinições muito bem definidas


Nunca fui uma pessoa de gostos muito definidos.
Tive, desde sempre, dificuldades em fazer coleções de objetos. Não houve objeto que tenha me conquistado a tal ponto. Nunca terminei meus álbuns de figurinhas - nem o da Copa do Mundo, nem o da novela infantil Carrossel, minha grande paixão na televisão brasileira.
Acontece que, uma cantora, inexplicavelmente, me ganhou de vez, me fez estabelecer um padrão de gosto, desde a primeira canção que ouvi embalada pelo timbre terno e incisivo de sua voz. Maria Rita, a filha de Elis Regina e César Camargo Mariano é a artista que desde muito tempo possui toda a minha admiração.
Em 2003 a vi pela primeira vez em Londrina, num show mais modesto em questão de local. Em 2007, pela segunda vez a vi de perto, agora em Campinas, num show menor, mais seleto.
Na semana passada, porém, mais uma vez, tive o prazer e a emoção de estar no mesmo ambiente que a Maria Rita, junto a pouquíssimas pessoas, num show intimista, em ambiente que convidava ao particular. Foram 80 minutos a desfrutar das canções que canto desbravadamente, no mais alto som, dentro do meu carro, enquanto ruas, árvores, pessoas passam por mim diariamente.
Penso que no caso de Maria Rita, a voz – linda e trabalhadíssima – acaba sendo um detalhe a mais. Essa minha cantora é uma intérprete maravilhosa, que se alegra, que se contrai, que esbraveja, que dança, e sobretudo, que chora, se a música, se o coração, pedirem. Talvez por isso ela tenha me deixado de queixo caído.
Penso que essa capacidade de direcionar nossas emoções para o que fazemos, de sentir, de fato, e viver, aquilo que pregamos todos os dias, é o que nos particulariza e individualiza. Penso que, no meu trabalho, nas minhas atitudes, nas minhas falas, em tudo o que trago comigo, devo aprender a, de fato, experimentar das emoções que me acompanham, que são muitas, que são intensas.
Sou de poucos números. Não sei contar figurinhas, não sei organizar coleções.
E se me pedirem para dar aulas sem emoção, para contar uma história sem caras e bocas, para não me incomodar ou não abraçar um amigo que está em dia ruim, não sei se sei. Pensando por este lado, acho que meu gosto é completamente definido. Definido pelo momento, pelo coração, pela música que me acompanha em cada circunstância. Sou completamente definida pelas indefinições da minha vida.

sábado, 2 de outubro de 2010

Seções


Amanhã é dia importantíssimo.
As eleições chegaram, depois de passarmos dias perdidos, passeando por entre tantos candidatos que se dispõem a cuidar do nosso estado, do nosso país, no criteriosíssimo horário eleitoral de nossa TV brasileira.
São muitos os que se apresentam, uns achando que sabem o que fazem, outros declaradamente não possuindo ciência. Em alguns acreditamos, em outros, perdemos a fé há muito tempo.
Neste ano de 2010, em que só se fala em eleição, o primeiro voto feminino - sem restrições e pormenores - completa 64 anos. Um número altamente expressivo, que expõe tantas das fraquezas da sociedade, que mostra, desveladamente, quantas mudanças ainda são necessárias para que se possa falar em direitos iguais.
Penso que, talvez, nós mulheres, que nascemos em um momento no qual o voto feminino já era comum, pareçamos ter dificuldades em valorizar a oportunidade de sair do silêncio e nos posicionar e escolher aquilo que julgamos importante e necessário para nossa educação, segurança, conforto.
Além das eleitoras femininas, temos agora duas candidatas à presidência.
A começar de Alzira Soriano, em 1928, primeira mulher a ocupar um cargo eletivo - prefeita de Lajes/RS -, Marina Silva e Dilma Roussef se dispõem a assumir nosso presente e futuro. Ainda, de acordo com o que temos visto e ouvido, há grandes chances de que de fato, a representante de nosso país venha a ser do sexo feminino.
Se as mulheres parecem estar em evidência nas eleições de 2010, minha sugestão é de que, por alguns minutos, todas elas, candidatas, eleitoras, observem de maneira criteriosa e sensata suas atitudes.
As gerações de mulheres que nos antecederam trilharam longos caminhos, passando por reivindicações básicas, como a escrita, a escolaridade. Quando alcançaram uma aquisição de tamanha importância, a de ser parte da democracia proposta pelas eleições - no dicionário “arbítrio”-, mereceram, no mesmo momento, nossa busca por um voto refletido.
Seja Dilma, Serra, Marina, à presidência, e tantos outros aspirantes a políticos, candidatos a outros cargos, quero trazer à memória das mulheres, que nos foi proposto, ou imposto, o silêncio, durante muitos anos – talvez mais do que consigamos imaginar. Se hoje, podemos usar da nossa voz, que saibamos empregá-la honrando nossa conquista do voto: sendo coerentes, responsáveis, conscientes.
Desejo um bom voto a todas, e, sobretudo, pouca fila nas seções.

domingo, 19 de setembro de 2010

Exílio 2010


Ontem assisti mais uma vez ao Horário Eleitoral, e tive ainda mais certeza de uma idéia que me ronda o pensamento há alguns anos.
Sei que tudo acontece exatamente como deveria acontecer, mas penso que em uma coisa, fui acidentalmente confundida.
Olhando para os meus gostos, as minhas indignações, meus sonhos e desejos, me parece muito claro que eu devesse ter tido a minha juventude na década de 80, quando, na verdade, eu nascia.
Meus cantores preferidos são A-há, Duran Duran, Madonna, Cindy Lauper, Sting. Dos brasileiros, sou apaixonada por Elis, Caetano, Cássia Eller, Tom Jobim.
Acho o máximo pensar em ir para a boate com as amigas ao som de Girls just wanna have fun, todas de cabelos armados, calças saint-tropez e jaquetas cujo brilho se vê de longe.
Olho então para os meus atores favoritos. Nenhum a la Leonardo di Caprio – cara, jeito e idade de bebê - jamais integrou minha lista de prediletos. Richard Gere, Robert Redford, Tom Selleck, sempre foram as minhas grandes paixões. Atrizes preferidas? Meryl Streep, Shirley McLaine, Jane Fonda.
Os programas de TV também giraram sempre em torno dessa minha preferência. O seriado preferido é “Seinfeld”. O filme, "Sociedade dos Poetas Mortos", a arte, é, e sempre será Andy Warhol, dono de uma das frases das quais me lembro sempre: “Dizem que o tempo muda as coisas, mas é você quem tem de mudá-las”.
Para as minhas amizades acabo sempre escolhendo pessoas mais velhas do que eu, e assim também escolhe, quase sempre, meu coração, para se apaixonar e se afeiçoar.
Penso também na política, e é o que me indigna quando vejo nossa conduta nos dias de hoje. Há trinta anos, os artistas, antes exilados, estavam voltando a ter voz. As pessoas podendo escolher, podendo ser escolhidas, optando pelo grito, depois de anos silenciados pelas autoridades. Penso na esperança e na emoção que a década de 80 representou, politicamente falando.
Me parece que hoje nos falta uma ideologia. Me ponho a pensar que nosso conformismo transformou nossa vida em uma facilidade que não nos exige e nem nos permite pensar. Fico decepcionada ao ver nosso horário eleitoral escolher transmitir aspirantes a políticos que assumem não entender de política e nos convidam a integrar sua ignorância, votando neles.
Pensando na frase de Andy Warhol, penso no tempo. De fato não acho que o tempo alterará as circunstâncias que considero tão problemáticas no quadro da década atual. No que depender de mim, porem, estou aqui, eu, minha voz, independente do tempo, da época. Pensando na década de 80, confesso, mas propondo que saiamos do exílio, hoje.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Ensinando sobre saudades


Gosto muito de pensar em professores dos quais nunca mais me esqueci. Ainda me relaciono muito bem com minha professora da quarta série, Dona Nanci.
Apavorada de medo, naquela época, de sua seriedade, hoje desfruto de longas conversas com ela, nas quais falo de mim, já que ela sempre quer saber de todas as mudanças, que, depois de quase quinze anos, são mesmo muitas, e ela fala do orgulho em ver como os alunos cresceram: em altura, em conquistas, em caráter.
No último sábado, me reuni com as primas que estão, por vezes longe, mas do lado de dentro, eternamente. Uma delas casada, morando distante, a outra mais perto, e como eu, com pouco tempo. Conversamos longa conversa. Falamos sobre o presente, lembramos - e rimos muito - do passado, pensamos o futuro.
Lembro-me que uma delas queria ser médica. Fez cursinho, morou longe, em Curitiba, plantou saudades, por fim tornou-se professora. A outra prima se inscreveu no vestibular para artes cênicas em Londrina. Perdeu a prova, estudou em Assis, tornou-se professora. Eu quis ser advogada. Gostei de literatura, escolhi descobrir o quanto gostava, me tornei professora.
Naquele sábado, éramos três professoras, confessando nossa saudade, professando nossas lembranças, revelando a falta que sentimos de um tempo em que vivemos umas para as outras, pelas outras.
Hoje, minhas primas fazem falta no meu dia-a-dia corrido, abarrotado de diários de classes, notas, faltas, e sei que tudo isso faz parte de seu cotidiano também.
Mas estas professoras, que ensinam aos seus alunos sobre tudo, sobre muito, sobre algo que vai infinitamente além da sala de aula, me ensinam, em momentos como o de sábado, sobre o companheirismo, sobre a identidade, sobre a amizade cúmplice e eterna.
Ensinam sobre a saudade. Ela existe, de fato.
Mas, sobretudo, ensinam sobre o prazer de saber que distância e falta de tempo representa pouco para quem tem reservado há muito tempo o afeto que temos umas pelas outras.

sábado, 28 de agosto de 2010

Pássaros, tempo e acasos...


Engraçado como o tempo, o mesmo tempo marcado no relógio de pulso de todas as pessoas deste mesmo mundo, pode ser tão relativo, completamente pessoal, simplesmente único.
Ontem, conversando entre amigos, falando sobre infância, escola, nossos programas de TV favoritos, um deles me contou que quando era pequeno, o pai sempre alertou:
- O horário de ir para escola é sempre quando Jiraia – seriado de luta japonês da década de 90 - acabar.
De acordo com meu amigo, quando os créditos finais do programa começavam a subir, era hora de colocar a mochila no ombro e ir logo estudar.
Achei engraçadíssimo e pensei sobre como relativizamos nossa noção de tempo, sobre como aprendemos o nosso horário, sobre como algumas coisas servem para nos despertar, de repente.
Hoje -sábado- cedo, dia que achei que teria permissão pra acordar mais tarde, pela primeira vez algo aconteceu. Acordei como nunca tinha acordado: com o canto dos pássaros que brincavam perto da minha janela. Com esforço para abrir os olhos, alcancei o celular que dormia no criado mudo: eram 07:07 da manhã.
Há quem acorde com pássaros cantando cedo na janela do quarto. Sei que há quem goste.
Eu, porém, achando que deveria, merecidamente, dormir o máximo que pudesse neste sábado, fiquei quietinha, querendo pegar no sono novamente. Foi impossível. Tudo o que consegui foi ouvir os pássaros cantando para o dia que já tinha despontado, e então comecei a pensar sobre como escolhemos ser acordados.
Podemos escolher acordar para o dia, para todos os dias, prontos para viver o que este dia trouxer com ele. Podemos acordar e escolher ficar mau-humorados porque os pássaros atrapalharam nosso sono. Podemos dormir novamente, sem querer perceber que os pássaros estão cantando só para nós, sem nem notar que a manhã passa rapidamente, querendo virar tarde, desejando virar noite, antes que notemos.
Abri a janela e não vi os pássaros, mas sei que eles estiveram lá.
Acordei de fato, cedo assim. Escolhi a manhã, aproveitei o tempo. Talvez porque eu pense que ter que acordar, no meu caso, no seu caso, não seja um acaso.
Desejei a mim, desejo a todos, um ótimo fim de semana, de olhos acordados e atentos ao tempo, preciso em cada acaso.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Alinhavando lembranças.


Algumas lembranças nos aparecem nos momentos mais inesperados, chegam quando menos aguardamos, como uma fotografia guardada, tirada de uma caixa antiga, quase sumida, trazendo de volta tantos sentimento que andavam, talvez poupados.
Hoje tive um momento tão único que não sei se será possível traduzir. Penso que tenho poucos recursos para descrever o que me passou pela mente, pelo coração, na tarde de hoje.
Massacrada pelo calor das três da tarde, me propus a enfrentar a sauna que é o centro da minha cidade. Precisava pagar algumas contas, levar algo ali e lá para arrumar, desarrumar a conta bancária, gastando mais, e entre tudo isso, precisava passar na costureira, que me prometeu dar jeito nas roupas que há um tempo andam ficando largas na minha silhueta.
Na prova da roupa, na casa da costureira, notei que alguns ajustes ainda eram necessários, e fiquei ali mesmo, a esperar a D. Lurdes, sentada na máquina, a modificar o que não deu certo.
De repente, com as mãos presas ao batente da porta, pondo só o rosto para dentro da sala, uma garota de 12 ou 13 anos esperava, comigo, a avó a terminar o serviço.
Eu vi, me vi, naquele momento. Quantas vezes eu, neta de costureira, como aquela menina, observei minha avó por entre as idas e vindas da agulha, riscando os moldes no jornal, acelerando ou reduzindo o ritmo da música da máquina de costura, vestindo as amigas, as mesmas que ligavam para saber se estavam prontas as roupas, me perguntando:
- É da casa da Dona Giza?
- Da Dona “Ziza”, aham, é. – sempre gostei de tudo muito certo.
A costureira, D. Lurdes, tentava fazer o serviço rápido, certamente imaginando que eu estaria com pressa. A verdade é, porém, que a tarde me foi tão familiar e despertou tantas boas recordações, que congelei o momento, enquanto o som da máquina de costura acelerava meu pensamento, e reduzia, trazendo, entre os cerzidos e arremates, a minha história e de minha avó, de tantas saudades, tão mal arrematada pra mim.
Brinquei com a neta de D. Lurdes, conversei um pouco, perguntei se ela ficava sempre na casa da avó. Ela disse que sim. Eu disse que casa de avó era bom, contei que a minha também tinha sido costureira.
Não contei, porém, que tudo o que eu queria era a máquina de costura de minha avó trabalhando novamente, nos atrapalhando ouvir o som da TV, nos tirando a calma do sono da tarde no quarto que era dos netos.
Não contei que eu desejava a ela, a neta, que ela tivesse ainda muito tempo de vó, de máquina de costura, de linhas, de carretéis, de retalhos, de botões, de moldes, de agulhas, de zíperes, e tudo mais que avós costureiras nos ensinam.
Hoje não sei mais cobrir botões, coisa que eu sabia fazer para a minha avó, e vejo poucas máquinas de costura, já que compro roupas prontas. Mas da minha infância em casa de vó ao som de máquina de costura, disso não me esqueço, sempre me lembrarei.
Que a neta de minha costureira, a Ana, tenha a certeza de que ela viveu hoje, em meio a todo aquele calor fora de época, em plena quinta-feira, às 3 da tarde, um dos mais importantes momentos da sua vida. Ela, a avó, o som da máquina, os retalhos pelo chão, costuraram memórias que ficarão para sempre, como estas minhas, maravilhosas, que retornaram hoje, tão minhas e de minha vó Ziza – não Giza!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Entre outros plantios, as flores.


Gosto de requeijão e sei pouco sobre plantas. Essa semana, porém, ouvi uma história sobre margarina e flores, que me pareceu me caracterizar como pessoa de alguma forma.
Gosto imensamente de saber histórias sobre meu passado, ainda que seja um passado distante. Falo das histórias mais antigas, não apenas as minhas, mas as de avós, bisavós.
Jantando em família, neste último sábado, meu tio me contou algo que eu não sabia.
Minha bisavó, Iracema, sempre tinha em casa, margarina, para acompanhar o pão caseiro quentinho.
A margarina, naquela época, quase sem exceção, morava dentro de latinhas, como é hoje a manteiga Aviação, uma das delícias de uma cidadezinha de Minas Gerais onde nasceu uma amiga que mora, hoje, longe de lá, e muito perto do meu coração.
De acordo com meu tio, quando a lata de margarina ficava vazia, antes mesmo de comprar outra margarina, muito antes de pensar em outro pão quentinho, minha bisavó plantava, sempre, sem exceção, uma flor dentro da lata.
Fiquei pensando que dentro de uma simplicidade que eu sei que existia, até por pensar que as latas de margarina se transformavam em vasos de flores, sei que existiu uma sensibilidade extrema da parte de minha bisa.
Me fascinou, sobretudo, o poder que uma boa lembrança possui, de realmente acompanhar e dar cor e tom a algo que já se foi, talvez há mais tempo do que gostaríamos, ou que outros nem tenha de fato vivido.
De maneira maravilhosa, a lembrança conservou esta imagem na mente de meu tio, e hoje povoa o meu imaginário, eu, que nem conheci minha bisavó Iracema.
Hoje, em especial depois de saber de minha bisavó e de suas flores, adoro pensar que a conheço. Penso no fogão à lenha fazendo nascer um pão, vejo a lata de manteiga passando de mão em mão, de neto em neto, e depois, penso nos netos vendo a avó plantando. Plantando família, plantando memórias, plantando flores.
Como já falei, sei pouco sobre plantas, como mais requeijão do que como manteiga, mas tenho uma bela história para compartilhar. É sobre uma grande mulher, que plantou, entre muitas coisas, flores.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Arte supra-pós-moderna


Perdi, ontem, alguns minutos, me permitindo rir com a Vanusa no programa da peguéte do Mick Jagger, a Luciana Gimenez.
Um programa de alto nível como o dela, dono do mais puro e casto português, nossa “última flor do Lácio”, possui, de fato, todo o aval para ser palco da discussão sobre a gafe da cantora Vanusa no Senado há um ano.
Confesso que o vídeo do Hino Nacional interpretado pela Vanusa está entre os meus favoritos. Este episódio me arranca risadas mais longas e deliciosas do que qualquer outro vídeo já conseguiu, não importa quantas vezes eu veja.
Sob o pretexto de que estava medicada contra a labirintite, também ouvi da Vanusa, em entrevista à Sílvia Popovic, que quem a contatou não lhe enviou a letra do Hino Nacional. Pudera! Custava enviarem à Vanusa um email risonho e límpido com a letra da “música”?
Como se não bastasse, na última semana, fui surpreendida com um novo vídeo.
Sob o título de “Vanusa ataca novamente”, a cantora salta da canção “Sonho de um palhaço”, para “Como vai você”, de Roberto Carlos, percebendo e falando a si mesma, em meio à melodia das canções, que embananou as músicas. A verdade é que ela não deveria ter dito... Certamente passaria desapercebido.
Confusíssima, talvez menos do que nós, testemunhas oculares, e por que não auriculares, da arte supra-pós-moderna da cantora, Vanusa me ganhou novamente. Ri muito, ri exaustivamente.
Desde então, ando me considerando fã da Vanusa. Eu, tão descrente nos decadentes humoristas da TV brasileira.
Espero, do fundo de meu impávido e colossal coração, que Vanusa nunca deixe de cantar. Sou completamente a favor de novos olhares, do espírito transgressor, que recria o conceito de arte, ou nesse caso, de uma canção que, ao meu ver, andava mesmo meio obsoletinha... Puxa, são duzentos anos da mesma melodia, mesmo ritmo, mesma letra, um eterno tarararantan!
Na versão vanuso-portuguesa há muito mais ação e mistério! Nada é tão límpido, e a letra guarda um espírito vanguardista dentro de si, um tipo de inesperado que mora nas entrelinhas, nunca nos deixando saber qual a próxima palavra. Não sabemos! Nem a Vanusa sabe!

Retrato de um par de pés descalços


Sou uma apaixonada inveterada por filmes. Dos hollywoodianos aos clássicos.
Muitas vezes, tarde da noite; os olhos a ponto de lacrimejar; querendo fechar, encontram na TV um filme pelo qual me interesso. Nesse exato momento o sono se vai, e, ainda que eu tenha visto o filme uma infinidade de vezes, meus olhos se abrem como fosse tudo novidade.
Na noite passada, quase madrugada, me encontrei com o filme do meu coração, Peixe Grande, baseado no livro de Daniel Wallace, já visto tantas vezes que seria impossível enumerar.
Em Peixe Grande, o protagonista, Edward Bloom, deixa sua cidade, em busca de um lugar que comporte suas “grandes ambições”.
Logo no começo da caminhada, Bloom conhece um vilarejo chamado Espectro.
Espectro é o retrato do lugar perfeito. A grama é tão macia que os sapatos, desnecessários, são arremessados para cima e passam a morar nos fios dos postes de eletricidade. As pessoas são integralmente felizes e completas e sua vida resume-se a estar a conversar, fazer poesias sobre sua qualidade de vida, e dançar em roda.
Jamais quem esteve em Espectro deixou o lugar, de acordo com os habitantes.
Para o seu espanto, porém, Edward Bloom decide que aquele não era seu lugar, ou não era ainda o tempo fazer, de Espectro, seu lar.
Resolve partir, descalço e só, na iminência de machucar os pés, de ter nenhum subsídio, em busca de algo que Espectro não lhe poderia oferecer.
Não condeno Edward Bloom.
Escolher pela vida pode de fato ser sinônimo de optar pelo mais sofrido, e buscar atingir esta completude é nobre, e nada reprovável. Nossa zona de conforto ganha, muitas vezes, uma proporção que nos impede de crescer e caminhar em direção ao que sempre almejamos.
A realidade deve deixar de ser o limite, e a fantasia e os sonhos, que permitem a busca pelo que pode parecer loucura, são o que de fato traz a felicidade, e permite, também, que se faça outro feliz.
Ao final, no tempo certo, depois de se entregar à exilada vida de soldado, após conhecer seu grande amor, entre sofrimentos e alegrias de todas as naturezas, Edward Bloom retorna a Espectro.
Ele e o vilarejo, mais velhos, mais machucados, estão também mais maduros, e se fazem necessários um ao outro. Da maneira certa, no momento correto, como havia de ser, como haverá de ser, para eles, para nós.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Mestres e aprendizes...


Temos uma tendência de reclamar, sempre. Alguns, mais pessimistas, dizem que “a tendência é piorar”, outros mais otimistas, acreditam que a bandeira de paz há de se levantar.
A verdade é que reclamamos muito. Do irmão mais novo, do mais velho, de ser filho único, de morar perto, de morar longe.
Quanto a mim, gosto de ser irmã mais velha, e sempre quis um irmão mais novo. Desde que ganhei um, ainda que reclame, tenho meus momentos de êxtase, aqueles momentos nos quais me lembro do quanto é maravilhoso ser uma irmã mais velha.
Lembro-me que logo que tirei carteira de habilitação, sentia prazer em realizar qualquer tarefa que envolvesse a direção.
Tirava o carro da garagem para o meu pai, o guardava quando minha mãe pedia, levava meu irmão pequeno às aulas vespertinas de futebol, e o buscava, em pleno meio do dia, com a fome fazendo um rombo no estômago, na escola. Tudo isso pelo prazer e pela emancipação de conduzir um veículo.
Assumir a direção do carro era um prestígio, um frenesi, uma realização pela qual eu lutara dezoito longos anos.
Num desses dias, enquanto abria o portão automático da garagem para guardar o carro de meu pai, estacionado do lado de fora de casa, meu irmão, sete anos mais novo, correndo mais do que podiam as pernas, chegando ao meu lado, perguntou onde eu ia.
Pensando rápido, brinquei:
- Vou tomar um sorvete, vamos?
Ele se preocupou por não ter um trocado nem para uma bola de sorvete, mas minha generosidade fora maior:
- Eu pago pra você! Entra logo aí no carro.
Ainda me lembro do sorriso de meu irmão, satisfeitíssimo por ganhar uma bola de sorvete, assim, no meio da tarde, fruto de tamanha bondade da irmã mais velha.
E se sentou no banco do passageiro.
Saí com o carro, devagar, deixando o portão aberto. Fiz o balão na esquina de casa, e voltei, guardando o carro na garagem. Eu, segurando o riso, ele, a decepção.
De acordo com o meu irmão, que gosta de contar essa história e ainda ri muito dela, esta foi, e será, a melhor das minhas artes, espontânea e tão bem arquitetada.
Nas palavras dele: - Essa, tenho que admitir, foi de mestre.

domingo, 15 de agosto de 2010

"O medo é a medida da indecisão"


Penso eu que não tenho, assim, muitos medos.
Não tenho medo do silêncio e não tenho o menor medo de ouvir vozes. Não me preocupo com não enxergar no escuro, e nem com enxergar: vultos, fantasmas, que sejam!
Sou categórica e pouco imaginativa. Se estou em casa, de portas fechadas, e ouço um barulho na sala, não saio imaginando que uma alma penada saiu lá da outra dimensão pra se preocupar comigo e com o que ando fazendo sozinha em casa. Ele, eu, sabemos que não estou a fazer nada de interessante.
Agora, existe um medo que eu tive por muito tempo, com muita intensidade.
Eu tive medo de chuva.
Quando o céu começava a escurecer, eu me ajoelhava no sofá da sala de minha casa, assustadíssima pelo barulho e ficava, chorando, a observar pela janela aquela água sem fim que escorria pelas paredes do jardim de inverno e chacoalhava as plantas.
Acho que talvez eu imaginasse que as águas inundariam nossa casa, ou me assustava com o barulho e a força da chuva.
A verdade é que antes que a água pensasse em nos inundar, eu me afogava nas lágrimas, achando que estávamos perante o fim dos tempos.
Também, quando pequena, sofria por meu pai, sindicalista, que viajava muito a São Paulo. Ainda me lembro da angústia no peito, silenciada, quando o caronista passava apanhá-lo pra viajar. Eram no máximo dois dias na capital paulista, mas que me consumiam, por imaginar meu pai no cenário que eu via noticiado na TV, inundado por água, onde pessoas, animais, casas, carros, todos eram perigosamente ameaçados pela força da chuva.
O tempo, porém, passou. Não moro mais na mesma casa daquele jardim de inverno, meu pai viaja menos a São Paulo, e eu e a chuva nos damos muito bem.
Amo dormir ou acordar ao som da água pingando do pergolado, todo roxo pelas tumbérgias em flor, morando sobre a minha janela.
Também me sinto maravilhosamente bem ao ver o céu escuro, pesado, anunciando que pretende molhar as plantas, lavar as ruas.
Sobretudo, o que mais me ensinou a não ter medo de chuva, é ter descoberto que ela é passageira. Aprendi a gostar de chuva, simplesmente porque entendi sobre sua efemeridade, sobre seu fim.
Se hoje chove, sei que amanhã ou depois, o sol nascerá novamente, decididamente. E será sempre assim.

An passant...



Até hoje meu pai tem orgulho de contar: Em meu aniversário de 4 anos, me pegou no colo, me levantou à altura do mapa mundi que ficava pregado na parede do escritório de minha casa, e mostrou para a família e os amigos o que tinha me ensinado.
Ele apontava qualquer país do mapa, sem me dizer o nome do lugar e eu acertava a capital.
Pouca coisa depois, minha mãe, acumulando livros na estante de meu quarto, para que, quando alfabetizada, eu pudesse ler, despertou em mim uma curiosidade louca pela leitura. Ali, minha mãe, meus livros, eu, simplesmente nos aprendemos.
Penso nesses aprendizados, e percebo que, infelizmente, os aprendizados de hoje me tem parecido tão complexos. São excessivamente subjetivos, doídos, e tão particulares, que tenho sentido uma falta profunda de meu tempo de infância.
Me parece que hoje surgem circunstâncias de bem menos precisão. Dificilmente me pego em situações tão práticas, raramente deduzo tão bem, quase nunca é tudo tão certo e direto. Hoje não gosto tanto de geografia, a memória não é mais a mesma, minhas leituras não são mais tão prazerosas quanto Ruth Rocha.
Sabendo que não tenho chances de voltar a ser criança, tenho tentado desconstruir algumas noções sobre o objetivo, sobre o óbvio, tenho buscado ser assim, mais “an passant”.
Basílio da Gama conheceu a capital do Brasil como sendo Salvador. Meu bisavô, o Rio de Janeiro. Eu, Brasília. Quem é que vai dizer que mesmo as objetividades são assim, tão certeiras?

sábado, 14 de agosto de 2010

Canção


Ando estudando muito, demais. Na última semana tenho aprendido sobre algo que amo: a poesia, e ainda melhor, a poesia que é escrita por mulheres.
Dentre as muitas leituras, discutimos o fato de a poesia ser um tipo de canção. A poesia tem ritmo, musicalidade e deve ser lida com as pausas, as rimas, as ênfases necessárias, formando acordes e melodias que passeiam por entre as letras esculpidas pelos poetas e poetisas.
Diante do olhar sobre a melodia, sobre a canção, me lembrei de uma história que conheço há um tempo, sobre uma tribo angolana e sua distinta tradição.
Quando uma mulher está grávida, a tribo se junta na floresta e compõe, para a criança que nascerá, uma canção única. Essa canção é cantada em todas as datas importantes de sua vida: seu aniversário, seu casamento, suas conquistas.
Da mesma maneira, quando essa pessoa comete um erro, uma falta social, ou moral, talvez muito grave, a tribo se junta ao redor desta pessoa, e mais uma vez canta sua canção, como proposta de que ela se lembre de suas origens, de sua essência, de sua singularidade como membro daquele grupo de distintas pessoas.
Desde então, ando pensando nisso, em se temos nos lembrado de nossa canção, tão única, tão intrinsecamente ligada ao que nos constitui como pessoas.
As falhas são diárias, os lapsos intensos, as transgressões cotidianas, e temos encontrado poucas pessoas que nos cantam nossa canção, ao invés de, tradicionalmente, cultivar, dentro de nós, idéias sobre nosso caráter falho.
A aqueles que me tem cantado minha canção, ainda que pensem ser desafinados, descompassados, meus agradecimentos ternos, eternos. O tom não precisa ser perfeito, pode ter defeitos de naturezas variadas. Mas ela, a minha canção, tem retornado à minha história a cada minuto. Novamente, o meu muitíssimo obrigada!

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

À la jabulani...


Ando achando o máximo como tenho perdido a noção do tempo. A verdade é que não sei bem se ando perdendo a noção do tempo, ou se o tempo anda enganando a mim, a todo mundo.
Parece são pensar que em quatro meses comemoraremos o Natal?
Não parece insano pensarmos que já chegamos em julho, tão esperado mês desde o início do período letivo, já desfrutamos das férias, e pior, já retornamos mais uma vez às carteiras da escola?
Neste exato segundo, tenho poucos minutos até que o dia 11 de agosto termine.
A data de hoje me lembra que há um mês atrás Espanha e Alemanha disputavam o troféu que lhes garantia o reconhecimento como os melhores esportistas de todo o mundo dentro do futebol.
Ainda me lembro do processo de preparação pra Copa do Mundo.
A começar da construção dos estádios, o Green Point, o Soccer City, espaços destinados a serem palcos das maiores emoções do mundo todo.
Depois, a convocação de nossa seleção: “Dunga não foi sábio”; “Temos o Julio César””, “Nem o Ganso?”; “Já ganhamos!”, “Não temos chance”.
As crenças e as opiniões foram mil e se misturaram formando uma torcida que se aqueceu por quatro anos para entrar com os jogadores em campo.
Mais tarde vieram os jogos, as bandeiras, os gritos, tanta jabulani em todo lugar.
Eram amigos reunidos, famílias almoçando em frente à televisão, colegas de trabalho no meio do expediente abraçados na hora do pênalti, emocionados com o chute no travessão, cabisbaixos perante a derrota do time.
Confesso que sou patriota e já estou com saudades dos tempos de Copa do Mundo. Acho que, como muita coisa que se espera ansiosamente, ela passa, e passou rápido demais.
Não vou sofrer, porém. Sei que quatro anos voarão, como há de ser.
Enquanto isso, espero pelo Natal, que ainda não acredito que, em apenas quatro meses, passará sutilmente por nós, nos colocando cara-a-cara com o carnaval, que também sumirá ainda mais rápido do que veio, trazendo outros natais, carnavais, tão desafiadores de minha noção de tempo.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Moda Preocupante...!


Depois de uns dias de silêncio, atarefada entre as leituras do doutorado, as aulas da universidade, voltei, até porque, ao meu ver, seria impossível deixar de fora um acontecimento como esse que pretendo narrar, tão sensível e que conta a história de uma percepção aguçadíssima!
Já mencionei que sou vaidosa. Vario entre as mais diversas nuances de esmaltes, adoro salto alto, não fico sem acessórios, e o cabelo precisa estar sempre impecável. Agora, uma coisa que, além de tudo o que mencionei, realmente me dá prazer, é arquitetar minha maquiagem.
Compro muito, compro sempre, produtos de toda ordem. Amo rimeis, que dão volume, que alongam, que preenchem, e amo mais ainda quando encontro um que alia todos estas qualidades.
O blush também considero essencial. Uso a cor pêssego nas têmporas caso os olhos estejam mais carregados, ou o rosa caso os olhos tenham menos cor.
Me perco entre bases, pós, corretivos. Amo quando consigo convencer que quase não tenha olheiras.
E minha grande paixão: as sombras, é claro. Compro de todas as cores possíveis, e gosto de estar inserida nas tendências. Se andam usando bem carregada, abuso. Se a moda é discrição, endosso.
Acontece que nos últimos tempos, virou bonito usar sombras de cores fortes e nada discretas. Verdes, amarelas, azuis, pink, elas coloriram as pálpebras do mundo todo.
Um dia desses arrisquei e comprei a versão de cor pink destas sombras. No último domingo, ao sair em família, resolvi testar.
Amei, como havia de ser!
Me achei engenhosíssima, passando a sombra com o canto mais escurecido, e mais enfraquecido à medida que se aproximava do nariz. Com um traço fino de delineador preto bem sobre a linha dos cílios superiores, e um rímel bem trabalhado, finalizei o look.
Fiquei apaixonada pelo efeito que a sombra causou. Em poucos segundos e fascinada, me sentia completamente fashion, extremamente pink, totalmente preparada para sair.
Minutos depois, durante o jantar, percebi meu pai me olhando nos olhos.
E quando achei que algo surgiria, talvez um elogio, ou um outro comentário, sabendo também que ele nunca foi a pessoa mais observadora do mundo, percebi, na verdade, um olhar longo e preocupado.
A pergunta, aflita e inequecível, veio depois:
- Andreia! Fecha os olhos! Você está com terçol???

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sting!


Me considero uma amante incondicional da música. Tenho um amor nada velado por composições musicais de língua inglesa, que me ganham, inicialmente, pelo desafio costumeiro de traduzir a letra. Melodia e sentimentos vem logo após a etapa da tradução.
Porém exceções acontecem. Coldplay, A-ha, The Scripts, Duran Duran, e poucas outras bandas e cantores despertaram em mim um sentimento diferente.
Não penso que eu saiba descrever bem o que algumas destas canções me trazem, mas sei que sinto encher o peito e a mente de um transe maravilhoso que tenta a me abrir para a vida com uma coragem que geralmente não tenho. Parecem trazer lembranças de algo que não sei, parecem me projetar sonhos intermináveis.
E foi desde que conheci The Scripts que eu não me sentia assim.
Acontece que, hoje, deitada em minha cama, com os olhos na TV e a mente longe, mudando de canal em canal, passei pela transmissão de um show lotado de luzes amarelas. Passei e voltei. O charmoso vocalista, de voz lindíssima, me prendeu os olhos à tela, e meus ouvidos ficaram maravilhosamente colados à melodia da música de “Shape of my heart”.
Descobri que era o Sting.
Foram horas de concerto, e me surpreendi pensando em como eu não havia, ainda, prestado atenção ao Sting! O “The Police” morria enquanto eu nascia, então ouvi pouco deles, foi o que pensei...
E depois de ter ficado tanto tempo sem descobrir um som que me fizesse novamente querer me perguntar o que é que aqueles acordes tinham de tão especial, estou feliz em estar em alfa, ômega, e todas as outras letras do alfabeto grego, com a música do Sting.
Ainda não sei como funciona este fenômeno que resulta em emoção inexplicável, desperta por um aroma, por algo que se vê, por um som. Sei apenas que é bastante pessoal e muito verdadeiro. Me dá logo vontade de acordar para o dia seguinte, munida de algo que me prepara para ele.
Mas enquanto não acordo, dormirei, logicamente, ao som de Sting.
Uma ótima noite!

domingo, 1 de agosto de 2010

Públicos, privados, assíduos, visitantes, iniciantes, exigentes ou inteligentes...


É sempre maravilhoso descobrir que temos leitores. Saber que, voluntariamente, colegas antigos, novos, amigos próximos, amigos virtuais, decidem passar por nosso humilde lar digital e partilhar, por meio da leitura, daquilo que vem habitando nossos pensamentos é uma experiência muito interessante.
Geralmente entro em minha página, passo pelos meus seguidores, vejo se alguém novo resolveu me notar no meio literário-poético. Fico muito feliz se sim. Penso que mais uma pessoa anda lendo o que tenho gostado de compartilhar. Se não, penso se ando escrevendo alguma coisa sem graça demais, ou se não sei divulgar bem o meu espaço.
Agora, uma coisa que eu não tinha pensado era que, ainda que não esteja assinalado nos meus leitores, alguém pode estar anonimamente seguindo meus passos, ou, minhas letras.
Hoje um primo muito querido, desses agregados que as primas trazem para deixar nossa família mais bela, se é que tem como, me surpreendeu, me contando que anda passando por aqui. Eu não imaginava, e fiquei muito feliz. Ele não está nos seguidores, não me acompanha declaradamente, mas anda me honrando nas entrelinhas da leitura.
Vou torcer pra que eu consiga atender e agradar aos olhares curiosos que passam por aqui, lendo, relendo, concordando ou não. Aos que passam às vezes, passem mais. Aos que passam sempre, obrigada. Aos que passam anônimos, um obrigada público. Aos que passam publicamente, sou grata, obviamente.
A todos, públicos, privados, assíduos, visitantes, iniciantes, exigentes ou inteligentes, prometo estar sempre por aqui, se vocês estiverem.

sábado, 31 de julho de 2010

31 de julho


Querendo fechar o mês, sem querer abrir feridas - e não tendo como - pensei em contar que hoje, dia 31 de julho, seria aniversário da minha avó, falecida há 11 anos.
Todo mês de julho, férias na casa dela. Nesse mês, ela começava, e seguia, até o dia 31, perguntando:
- Será que esse mês tem 31? – esperando que não tivéssemos esquecido do aniversário que vinha caminhando devagar.
Aquele mês tinha 31.
Mas ela se foi, e desde então, todos os meses para mim, tem tido 31...
31 razões para eu querer que ela tivesse me visto quando passei no vestibular, 31 razões para eu querer que ela conhecesse meu primeiro namorado, 31 razões para querer compartilhar com ela do meu primeiro emprego, 31 motivos para querer mostrar a ela cada sapato novo - ela amava sapatos, como eu -, 31 razões para comer as comidas que ela fazia tão bem, que eu amava, e ainda amo. Eu tinha, e tenho 31 motivos para acreditar que minha avó não poderia ter ido assim, tão cedo.
Hoje é dia 31. São onze anos de saudade, foram 14 de convivência, e o mês 12, dezembro, morreu, com ela, quando ela nos deixou.
Entre tantos números, me pergunto se julho terá sempre 31.
Porque se houver, e acho que vai ter, ela não precisa ter medo de ser esquecida.
Agora, se não houver, gostaria de dizer a ela que ela ainda tem e sempre terá, os meus 364.

terça-feira, 27 de julho de 2010

À prova de tudo: Dicas de Sobrevivência


Ainda estou pensando em como pode estar se sentindo a mãe do menino Rafael Mascarenhas, atropelado e morto na semana passada nas ruas de São Paulo.
Sei que ela deve estar buscando por justiça, mas sei também, e ela também sabe, é que a justiça fará pouco por Rafael.
Me entristece demais saber, ou não saber, nas mãos de quem estamos. Deixar nossa segurança aos cuidados de pessoas tão pouco comprometidas, que aceitam transgressões, propinas, fecham os olhos aos mais nítidos sinais de infrações, é ter que assumir que estamos sós.
Gosto muito de assistir a um programa transmitido pela Discovery Channel chamado À prova de tudo, ou Born Survivor, no inglês.
A cada episódio, o grande enfrentador de perigos, Bear Grylls, ensina como sobreviver em uma situação de risco.
Grande fã, atenta a cada episódio, me emociono com a perspicácia do rapaz. Querendo aprender sempre, lembro bem de como devo proceder em alto mar, caso venha a naufragar. Chegando em uma ilha deserta, sei que devo me instalar sobre uma árvore, sei que devo procurar um rio, porque suas margens são regiões habitáveis. Sei que posso comer de determinadas árvores, confiar ou não em determinados animais.
Também aprendi a ser uma expert dos desertos. Sei que mesmo com o calor, poucas roupas são inadequadíssimas. Aprendi que alguns calangos, caso haja coragem para comê-los, podem ser ótimas fontes de proteínas... e outras coisas desse tipo.
Mas o que o Grylls ainda não me ensinou é como sobreviver num país como o meu. Não sei ainda quais pessoas são confiáveis, que tipo de necessidades esdrúxulas e extremas precisamos presenciar para que haja justiça, ou que conduta precisamos ter para que não sejamos abusados diariamente, de todas as formas.
Acho que só me falta esse episódio para estar preparada, assim, para tudo!

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Ser urbana é...


Amo viajar. Um dos momentos que me incomoda, porém, das viagens, é ter que fazer as malas. Mas a verdade é que preciso confessar que faço malas maravilhosamente organizadas.
São diferentes nécessaires para cada coisa: uma para maquiagem; outra para as jóias; outra diferente para os xampus, condicionadores, cremes sem enxágüe, essas coisas que vão para dentro do banheiro; e outra para os perfumes, hidratantes, que moram em cima da penteadeira, se é que ainda se fala assim.
As roupas vão organizadas pela ordem em que as planejo usar, e os sapatos, em saquinhos separados, bem como as roupas íntimas.
A exceção do capricho todo, porém, é que a mala em que viaja tudo isso, todo este material cuidadosamente separado e arranjado, nunca recebeu minha atenção.
Viajo muito, viajo sempre, por conta da vida acadêmica, por conta do relacionamento à distância, e geralmente carrego todo o aparato para viagem em uma mala qualquer que encontro no maleiro. Isso inclui, com freqüência, carregar meu mini closet em uma mala cinza e molenga do Posto Ipiranga que meu pai ganhou ao abastecer um tanto “x” de combustível.
Acontece que eu não tinha me dado conta de que andava assim, parecendo um dos cinqüentões que saem da sauna do clube onde freqüento. Decidi, então, comprar uma mala decente, sem emblema de posto de gasolina e firme o suficiente para não parecer que um bode mascou as minhas camisetes.
Na loja, procurei bem pela mala perfeita: que coubesse bem no carro, fizesse jus à necessidade, e entrasse em acordo com o bolso. Depois de muito procurar, de analisar o peso, a praticidade, a qualidade das rodas, os zíperes para privacidade, as telinhas para acomodar objetos menores, encontrei uma mala vermelha, deste vermelho sangue, lindíssima, firmíssima. E comprei.
As nécessaires, as roupas e os saquinhos cor nude, foram maravilhosamente organizados dentro da mala nova e logo mala e pertences fizeram um conjunto magnífico para a minha viagem de fim de semana. Minhas melhores e mais novas roupas, o novo scarpin, altíssimo, famoso meia-pata, pareciam repousar num luxo dentro daquela mala vermelha, que senti vontade de compartilhar com alguém sobre meu novo investimento.
Liguei para o namorado, que me espera no destino, para um fim de semana de muitos passeios, depois de um fim de semana de saudades, e contei da mala nova.
O namorado, do outro lado, prático, objetivo, o namorado homem, querendo ajudar, sem querer, sem saber, recomendou:
- Ihhh, amor... Minha família e eu pensamos em ir para o rancho neste fim de semana. Será que você não deveria trazer a mala velha mesmo???

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Nove meses


Há nove meses atrás tive uma das piores sensações de toda a minha vida. Foi um susto daqueles que jamais se esquece, ainda que outros sustos venham, ou mesmo que alegrias surjam.
Minha prima, queridíssima, daquelas pessoas nas quais não se encontra defeito, se aproximou, como nunca eu tinha presenciado, da morte.
Foi durante o período da terrível gripe A que ela passou por algo que primeiro diagnosticaram como sendo um resfriado. Depois de três hospitais diferentes, desmaios, medicamentos de toda espécie, a notícia cortante chegou: era uma pneumonia, gravíssima.
O processo foi muito rápido: do leito do hospital para o Centro de Terapia Intensiva; de lá para o coma induzido, tantos dias, muitos dias; e quando nos pareceu que era impossível piorar, tivemos o encontro com o que chamamos, hoje, de a segunda-feira negra.
A médica que a salvaria, que nos salvaria, com lágrimas nos olhos, impotente, como um de nós, pediu que nos preparássemos, pois aquele poderia ser seu último dia. Voltamos para casa sem acreditar no que acontecia, em silêncio. Talvez porque não existissem palavras, talvez porque elas estivessem morrendo com a Josi.
A noite daquela segunda-feira pareceu nunca terminar. O sol demorou a nascer, os carros insistiam em não querer trafegar. Em cada casa, um pedaço da família, com os ouvidos colados aos telefones, esperando pelo pior, padeceu um pouco.
Mas o dia precisou amanhecer. E, usando das palavras dos especialistas, o dia seguinte configurou-se como a terça-feira do milagre.
Aqueles mesmos pulmões, antes em processo de falecimento, sem mais saber trabalhar sozinhos, experimentaram, de repente, um sopro de vida. Os pais, sogros, tios, primos, o marido, todos respiraram com ela, tomados pela emoção, honrados pela fé.
E o sopro de vida na vida dela permaneceu e se estende até os dias atuais.
O mesmo telefone tocou hoje, nove meses depois de ela ter sido gerada novamente, anunciando que a vida continua acontecendo maravilhosamente: Minha prima será mãe.
O que sinto agora, imersa em emoção e felicidade extremas, é que o que parece um dia negro, pode tornar-se, inesquecível e eternamente, milagre. Talvez custe um pouco de sofrimento, ou quem sabe venha abarrotado de angústias, mas nunca pode ser considerado sem saída.

domingo, 18 de julho de 2010

Um dia é do frio, outro do calor...


Acho interessante como a maioria dos homens tendem a uma objetividade e simplicidade extrema. Às vezes me pego irritada com esta marca de nascença deles, às vezes rio. Depende da gravidade da consequência desta característica tão peculiarmente masculina.
Esta última semana foi marcada pelo clima frio. Minha cidade é conhecida pelos ventos devastadores, que nestes últimos dias, eram devastadores e cortantes, de tão gelados.
O que me encanta no frio é que ficamos muito mais elegantes. Roupas há tempos não usadas são tiradas do guarda-roupa, e a sensação é de que estamos a trajar tudo novo, de novo.
Meu pai reclamou, na última quarta-feira de frio intenso, que estava sem um moletom mais grosso para brigar contra o ar gelado daquele dia. Usou, durante a manhã, tarde e noite toda, uma blusa de meu irmão.
Amanhecendo, na quinta-feira, minha mãe sugeriu:
- Deveríamos comprar uma blusa de frio pra você. De fato você não tem nenhuma para os dias mais gelados.
A resposta veio curta e objetiva como muitas coisas do gênero masculino:
- Não tem necessidade! O tempo hoje já esquentou mais!
Achei uma teimosia. Entendi, porém, que os homens partem, e sempre partirão da necessidade real das coisas. São pouco precavidos e vivem do instantâneo e do momentâneo. Se o frio já passou, pra que blusa?
Simples assim.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Esses namorados...!


Namorar à distância é e sempre será um desafio merecedor de um prêmio. As dificuldades parecem se potencializar diante da falta do relacionamento olhos nos olhos.
Meu namorado vive longe. Nos conhecemos assim, e tem sido assim desde sempre. Nunca namoramos de perto. Costumo dizer que o máximo da aventura amorosa para mim seria, em plena quarta-feira, fim de tarde, um capuccino no shopping. Estou acostumada a pizza, apenas aos fins de semana.
Na noite passada, nos encontramos, online, no MSN.
É raro, e sempre uma alegria, poder conversar em suporte digital, auxiliada por câmeras pelas quais se vê em tempo real.
Depois de alguns minutos de conversa, o sistema me pareceu lento, e me perguntei se a conexão havia caído. Pensei correto. Logo após a queda da conexão, o notebook, já velho, de acordo com os parâmetros da informática, desligou, agora por falta da bateria.
Imediatamente me levantei da escrivaninha.
Procurei pela fonte de alimentação do computador, enquanto lamentava pelo acontecido, já que tão raramente ele usa da internet, enquanto imaginava se o amor distante ainda estaria lá depois de longos minutos distribuídos entre inicialização do computador, conexão da internet wireless, conexão do bate-papo MSN.
Depois de todo o processo, nada curto, ansiosa li o nome do namorado entre os conectados do MSN. Depois de me desculpar pela queda da conexão, expliquei, antes que ele digitasse qualquer letra, sobre o desligamento inesperado do aparelho, e da falta da fonte de alimentação, num longo parágrafo.
A resposta dele veio alguns minutos depois:
- Oi, amor! Foi o meu que caiu. Agora que consegui voltar...
E um sorrisinho ‘=)’ sereno e tranquilo no final da frase. Eu não soube se respondia ou aprendia. Acho que ainda não sei.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Armários e vassouras


Sou toda contradições. Costumo dizer que gosto de filmes que mesclam o elemento fantástico com o real, porém ainda não consegui assistir ao primeiro filme da triologia Senhor dos Anéis, tão fantástico é o filme.
Harry Potter, porém, gostei. Penso que me afeiçoei com o caráter puritano do protagonista, e adoro sua amizade eterna com Hermione Granger e Rony Weasley. Também gosto muito da maneira que a escritora, J. K. Rowling, explora o fantástico no livro, que virou filme. Algumas das possibilidades que a magia oferece transformam-se em situações da facilidade e humor interessantes. A vassoura varre a sujeira sozinha, o porta-retratos guarda o momento da fotografia em movimento, os cadarços do tênis se amarram sem que se ponha a mão nos sapatos.
Penso que tenho mesmo uma queda pelo fantástico. Gosto de enxergá-lo até onde não existe. Quando criança, sempre imaginei que o armário da sala de minha avó, cinza, embutido na parede, do teto até o chão, levava a um esconderijo nos fundos da casa.
Com frequência, me trancava dentro dele, enorme, e no escuro tão confortável, imaginava um túnel que me conduzia em segurança para meu refúgio oculto. Lá, eu me escondia dos primos nas brincadeiras de pega-pega, ou da avó, quando alguma safadeza falhava ao tentar ficar, como o esconderijo, oculta.
Até hoje, gosto de pensar que o armário era mesmo mágico. Além do esconderijo dos fundos, fui para milhares de lugares quando dentro do armário cinza. Visitei lugares desconhecidos, bolei planos, tive medo, criei coragem.
Entre outras coisas, procuro ainda, na minha vida diária, tão realista, e sem casa de vó, um lugar que, no escuro, me leve pra onde quero ir e que me revista de sentimentos que estejam me faltando. Enquanto não encontro, penso que já ficaria feliz com a vassoura independente, definitivamente.

sábado, 3 de julho de 2010

Minha avó me disse...


Num dia de verão, enquanto o sol iluminava as rosas do jardim, enquanto os pardais tomavam banho nas gotas de água que pingavam da torneira antiga, minha avó me disse...
Busque sabedoria, por você, pelos os outros. Tomar decisões e dar conselhos são grandes responsabilidades, por isso você precisará de bom senso sempre.
Estabeleça seus alvos com clareza. Não existe nada mais difícil do que prosseguir sem certeza. Pior ainda é querer voltar depois de um longo caminho trilhado.
Se precisar, porém, volte atrás. Orgulho é um sentimento de pessoas que tem dificuldade em perder. Aprender a aceitar a perda é fundamental, até porque você precisará de sanidade mental e de esclarecimento para recomeçar.
Guarde fotos e recordações de amores antigos. São parte do seu passado, e constituem grande parte daquilo que você se tornou. Querer apagar o caminho pelo qual você já passou é tão inútil quanto achar que os outros também o esquecerão.
Não sofra por antecedência. Em segundos a vida pode mudar inteira, e padecer por alguma coisa do futuro é tão inútil quanto torcer para que não chova no dia do seu casamento.
Se importe menos com o que dizem ou vão dizer. Nas horas de angústia, você está sozinho, e poucos terão a iniciativa de te dar uma palavra.
Se precisar, beba. Não faça disso um hábito, porque infelizmente é necessário viver no mundo real. Sabendo quando parar, a bebida é instantaneamente terapêutica.
Expresse-se com jeito. Qualquer crítica ou recomendação será mais bem recebida se bem falada. As palavras e a entonação da voz são importantíssimas para o sucesso de todo e qualquer relacionamento.
Não se exercite mais do que o necessário. O corpo tem um limite que precisa ser respeitado. As pessoas que conheci que viveram mais tempo foram as que se pouparam.
Saiba quando ouvir músicas depressivas. Em alguns dias, elas te ajudarão a refletir e achar a saída. Em outros, elas terminam de engolir seu corpo e mente todos, e não haverá trilha sonora que reverta isso.
Abuse do tato. As maiores descobertas e aprendizados que você provavelmente fez aconteceram na sua fase de reconhecimento, quando bebê. À partir daí é que você conheceu seus gostos, preferências, e anseios. Continue querendo saber mais sobre você.
Seja caridoso. Não existe, no céu, na terra, sensação que supere a de ser cordial e útil para outra pessoa. É encontrar o sentido da sua existência.
Não jante. Acordar com cintura de bailarina não tem, e nunca terá preço.
Entenda e aceite as pessoas mais velhas, por duas razões. Em primeiro lugar, porque elas não irão mudar, depois de meio século vivendo da mesma maneira. Em segundo, porque você chegará lá antes que perceba.
Não se auto-congratule. É cansativo e você corre o risco de despertar o desprezo por você em quem te ouve. Deixe que outros falem sobre suas qualidades. Assim os elogios serão verdadeiros e espontâneos.
Respeite times e religiões. São sustentáculos individuais e variam de acordo com cada personalidade e necessidade. São escolhas, como as que você faz todos os dias, e não haverá quem saiba de fato o que é melhor para cada um.
Seja vaidoso, mesmo dentro de casa. Olhar-se no espelho e sentir-se bem é fundamental para estimular qualquer pretensão de colocar os pés para fora.
Não sofra por limitar sua lista de convidados de casamento. É humanamente impossível convidar a todos. Haverá os que ficarão bravos, e não serão os que realmente se importam com você. Estes serão convidados ou serão compreensivos, justamente porque te conhecem e te entendem.
Sorria, sempre, ainda mais quando não houver motivos. Tudo o que se faz com insistência e persistência torna-se uma verdade absoluta. Além de despertar a curiosidade das pessoas, causará admiração.
E o sol continuou. Por muitas horas ainda iluminou as rosas do jardim. E os pardais tomaram banho até sentirem-se frescos. Minha avó, porém, se foi.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Allan da Palavra



Ando viajando nesse meio cibernético e eclético, que é a internet, de maneira diferente. Decidi dar mais atenção ao meu blog, esquecido por entre o espaço virtual até cerca de dois meses atrás.
Me propus também a conhecer outros espaços. Visito outros blogs. Alguns deles são como o meu, solitários e de um dono só. Outros tem tantos pais que revezam os dias, as semanas, entre seus posts.
Fuçando pelo meio digital, me encontrei com o Blog Bar do Escritor, blog destes com muitos pais. O post mais recente trazia um poema do tradutor Allan Vidigal, sobre a palavra.
Gostei muito da escrita desse paulistano que gosta de whisky e abomina alho.
Penso que ele é tradutor, de fato. Traduziu com majestade as palavras pensadas em palavras escritas, palavras que, de acordo com ele, devem ser agudas, afiadas.
Com minhas poucas palavras, nem tão perspicazes, com poucas arestas, sem grande estética, comentei o post de Allan.
E já que o tradutor, de acordo com ele mesmo, tem dificuldade de escrever sobre si em terceira pessoa, decidi que uma terceira pessoa deveria escrever sobre ele.
Allan gosta de whisky, detesta alho, é tradutor, e é sobretudo um especialista das palavras. Das agudas, das que saltam, das que formam linhas abarrotadas de arestas, esplendidamente encantadoras. De todas estas, ele entende.


Visite: http://bardoescritor.blogspot.com/

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Café no Norte


Há exatamente onze meses fui convidada a integrar um grupo de apoio às famílias castigadas por um desastre no Piauí. Uma barragem de água desabou, invadindo cidades inteiras, destruindo hortas, famílias, sonhos, perspectivas.
Conheci algumas das famílias que sofreram danos irrecuperáveis. Socorro, uma mulher frágil, de nome frágil, tão aparentemente predestinado, perdeu o marido, a mãe, duas filhas, e tios.
Uma outra mulher, Sandra, pediu às filhas que buscassem café na venda próxima à sua casa. Horas depois, as meninas pequenas, sem forças, desistiram de continuar agarradas com toda a força a um enorme cajueiro. Sob o olhar de toda a cidade, da mãe, do avô, apavorados do outro lado da correnteza imensa e negra de lama, e de barulho ensurdecedor, deixaram que as águas as levassem.
Sandra não faz mais café. Se esquece da água no fogo, que seca e some, ironicamente, no fundo das canecas.
Conheci e cresci com estas mulheres por perto. Tenho notícias de que elas têm se recuperado devagar, com a ajuda da família que restou, com a ajuda de programas de apoio, com a ajuda do tempo.
Penso nas novas famílias que vem sendo vítimas de desastres.
Chuvas descontroladas tem provocado imensas catástrofes, e o que me incomoda é a distância.
Mesmo tendo a certeza de que eu poderia fazer tão pouco, como certamente fiz no Piauí, gostaria de estar lá, aprendendo diariamente sobre vida, valores, vontades. Certamente muitas Sandras andam precisando, entre outras coisas, de quem lhes simplesmente ferva o café.

Sem juízo nenhum


Minha mãe é e sempre foi muitíssimo comedida. Diferente de mim, fala baixo, é discreta, cordata e tem um ar de serenidade e de paciência absoluta.
Muitas vezes, na maioria delas em algum momento de correção da mãe para com os filhos, me pego ouvindo suas contações de histórias. Aprendo sobre como ela foi sempre uma criança ajuizada e tranqüila, longe de causar, aos pais, quaisquer problemas.
Essa semana, porém, um fato aconteceu.
Eu, exaurida, com os pés pra cima e braços abertos, descansando em minha cama após uma manhã de malhação, recebi uma visita na janela de meu quarto.
Minha mãe, de roupas encharcadas e cabelo pingando água, com a franja colada na testa, e sorridente, afastou as folhas da janela de vidro e começou a contar. Estava molhando as flores plantadas de maneira a acompanhar a lateral da piscina, se descuidou, pisou em falso, e caiu na água fria das piscinas em mês de julho.
Minha mãe, sempre discreta, tranquila, estava encharcada e realizada:
- Está vendo? Agora tenho histórias de proezas para contar aos meus netos. Ou você estava achando que eu era puro juízo?

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O beliscão


Ser brasileiro, de acordo com nossa cultura patriota, significa três coisas: ser um bom apreciador de feijoada, ter apreço pela festa comemorativa mais famosa do país: o carnaval, e, por último, odiar, sobre todas as coisas, nossos hermanos argentinos.
Há um mês atrás, Maradona, técnico da seleção argentina, se empolgou e prometeu ficar nu em público caso seu país ganhe o título da Copa do Mundo. Em suas palavras, dará a a volta no Obelisco, monumento de Buenos Ayres, o “espeto”, no grego.
Não posso mentir e deixar de admitir que o time argentino vem tendo ótimos resultados. O técnico, cheio de promessas, tem ganhado o apoio popular dos conterrâneos a cada dia.
Não posso deixar de admitir outras coisas. Tenho medo, estou com medo. De a Argentina ganhar também, é claro. Faz parte de nossa tradição e cultura torcer contra, com todas as forças, com todo o ar do pulmão.
Mas tenho medo, em especial, da vitória da Argentina trazer a cena, estampada no noticiário do fim de tarde, dos jornais do dia seguinte, tenho medo do registro eterno da imagem do Maradona nu correndo pelo Obelisco.
Tenho pena dos brasileiros, que entre ódio e indignação, serão forçados e ver Maradona, em sua plena forma de ex-jogador, comemorando a vitória. Tenho pena do Obelisco, monumento tão respeitável, palco de tantas manifestações importantes, que ficará eternamente beliscado pela memória do hermano nu.

Parto Anormal


Há alguns dias tive dores. Um tio tão querido sentiu que era tempo de ir, e deixou esposa, filhos, sobrinhos e amigos desorientados misturando saudades e impotência. Há quem diga, ingenuamente enganado, que ele descansou. Há quem tenha a certeza de que cansaço nunca fez parte de seu estilo de vida. Há quem não tenha se despedido, tão longe estava. Há quem tenha estado junto todo o tempo, e sofreu ainda mais.
O tempo amenizou as dores no peito, meu e dele.
Falando de meio acadêmico, conheci a poesia de Natália Correia. Por meio de suas fotos, conheci alguém de traços fortes, maquiagem escura nos olhos, e sempre acompanhada por uma piteira entre os dedos.
Desde que li Natália Correia, um verso não me sai da cabeça. “A gente só nasce quando somos nós que temos as dores”.
Se eu tivesse conhecido a Natália, por entre a fumaça branca de sua piteira, iria olhar no escuro de seus olhos e contar que me apaixonei por sua teoria da criação.
Falando sobre maternidade, sobre parto, ela fala uma grande verdade. Dor é parte da vida, é sinal de vida. Não doer é perecer. Eu sei disso porque ando nascendo um pouco todo dia, ando com saudades de meu tio.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Crimes da memória


Penso que a distância e o tempo nos pregam peças injustas e perversas. Nos separam, nos apartam, oferecendo em troca um buraco no peito que se chama saudade, lembrança apenas.
Desde pequenos, nós, primos, desfrutamos das férias na casa da avó, o local de nossas maiores descobertas e invenções.
Eram dias de infância intensa, que incluíam desde as brincadeiras mais simples até as mais aventureiras. As mais arrojadas algumas vezes resultavam em problemas. Colocar todos os primos dentro da rede do avô não poderia mesmo dar bom resultado. Transformou a rede em um grande buraco, fielmente presa aos ganchos persistentes nas paredes da garagem vazia.
Ferver as pétalas das rosas cultivadas pela avó com tanto cuidado, buscando enxergar um chá cor de rosa no fundo da caneca, certamente também exigiria uma grande dose de paciência da avó dedicada, que nunca quis provar do chá, ainda que coado.
Mas o que a distância, o tempo, que separou os primos tão queridos; trouxe a idade; as responsabilidades, não previu, é que ainda existe a possibilidade de que vivamos, com a freqüência desejada, estes períodos tão queridos. Artifícios como a memória, nos tornam, exatamente quando quisermos, crianças novamente, primos novamente, irmãos e companheiros, em nossa mente.
Estas e outras histórias em comum, abafadas pelo tempo, perduram, no coração e na memória de cada primo, tornando-nos cúmplices de crimes tão felizes e bem-sucedidos.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Técnicas de lavoura


Só depois de uma certa idade, não tão avançada, é que descobri que meu avô materno era na verdade padrasto de minha mãe. Soube que ele havia se casado com minha avó pouca coisa antes de meu nascimento.

Fiquei surpresa. A afeição e o cuidado dele para comigo e minha família sempre foram tão grandes, tão desmedidos, que à partir de minha descoberta, passei a admirá-lo ainda mais.
Meu avô sempre gostou de plantio. Plantou sempre, plantou muito. A horta do quintal da casa de minha avó era engenhosamente arquitetada para o melhor aproveitamento do sol, e o sistema de irrigação era invenção puramente dele, misturando reciclagem e muita experiência.
Aprendendo a ler e a escrever tarde, meu avô anotava dicas sobre lavoura que ouvia e via na TV. Cuidadosamente anotadas num caderno brochura pequeno, as dicas eram passadas para mim, que corrigia a grafia das palavras escritas por ele com tanto afinco.
Meu avô não aprendeu a grafia perfeita, e nem eu aprendi a ser lavradora. Sou professora.
Meu avô mudou de terras depois que minha avó se foi, mas ainda planta.
Se eu pudesse voltar no tempo, não o teria corrigido. Hoje vejo que saber a grafia perfeita é tão útil quanto saber falar grego. Hoje sei que ter o dom de germinar vida é imensamente mais honorável. Me sinto completamente orgulhosa porque meu avô planta.
Ela ainda planta as mesmas plantas, rega as mesmas folhas, colhe com cuidado, irriga a terra, deixando-a úmida e fértil, e depois torna a plantar.
Entre outras coisas, ele plantou sabedoria, afeição, plantou cuidado e, em especial, planta, ainda, saudades de um tempo no qual tínhamos tempo para ver juntos as folhas e flores se abrirem lentamente e lindamente, no quintal da casa de minha avó.

O anel


Sou vaidosíssima. Qualquer ida ao supermercado, por cinco minutos que sejam, merece uma produção que envolva maquiagem e acessórios. Há quem não seja vaidoso, e para mim parece inexplicável. Sinto, porém, que minha vaidade é geneticamente e perfeitamente explicável.
Minha avó, que se foi tão cedo, costumava colorir os lábios de batom antes de dormir. De acordo com ela, quem sabe o que pode acontecer, assim, sem aviso, no meio da noite? Era bom estar preparada.
Minhas idas à casa da avó eram um mergulho no mundo dos cosméticos. Além dos batons, hidratantes e laquês, meu interesse sempre girou em torno de um anel que ela usava. Um fio de ouro dava a volta no longo dedo anelar de minha avó, e em cima do dedo dormia um lindo “A”, letra inicial de nossos nomes, meu e dela, em prata.
Por este motivo, o da inicial em comum, o anel sempre foi prometido a mim, quando fosse “moça”, nas palavras da avó.
Esperei ansiosamente durante anos, cuidando da jóia como se fosse meu, mesmo que ele ainda morasse no dedo dela.
Me recordo com carinho de um dia em que adentrei a casa de minha avó, numa tarde de semana comum, e a encontrei lavando as roupas no tanque. Vendo minha avó de dedos nus, perguntei pelo anel. Antes que ela me respondesse que o havia posto sobre o pires do armário da cozinha, minha imaginação deu conta de criar a cena de minha avó, com as mãos ensaboadas, vendo o anel se perder na água, nas bolhas de sabão e fugindo direto para o ralo.
Hoje, mais ou menos quinze anos depois, muitas perdas depois, muitas saudades depois, sou vaidosa. Faço da maquiagem e dos acessórios elementos integrantes de meu visual diário. O anel de minha avó, porém, raramente ou nunca faz parte de meu figurino. Descansa com todo o luxo numa pequena caixa preta aveludada, e nos raros momentos em que me pego olhando para ele, revivo uma história de muito carinho, muita saudade e pouca vaidade.
Nosso anel é singular, é particular, é especial demais para correr o risco de se perder, de fugir para o ralo, de se confundir com as bolhas de sabão, ou de se misturar ao meu visual, tão simplesmente vaidoso, tão puramente diário, tão ordinário.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Certidão de Nascimento em Cores


Sempre achei que cresci rápido demais. Com a mesma sensação de Edward Bloom, de Peixe Grande, que se desenvolveu com velocidade recorde em poucos dias, sinto que cedo demais estava na faculdade, mais cedo ainda no Mestrado, e antes que notasse, me vi envolta pelo clima acadêmico do Doutorado, tão exigente, tão especializante, tão alienante.
Perdida na correria das etapas, saltando por obstáculos quase maiores do que eu, fui incorporando, aos poucos, uma idade virtual, uma idade acadêmica, baseada na média da idade das pessoas ao meu redor e no estágio da vida em que estava, sendo tão nova.
Porém, há alguns dias tomei coragem e me aventurei na moda dos esmaltes fosforescentes. Aparentemente tão juvenis, eles pareceram vir ao encontro de minhas questões sobre idade real e virtual.
Maravilhada com o viço proposto pela cor do esmalte, há três semanas ando com um cor-de-rosa nas unhas das mãos, num tom nada discreto, capaz de iluminar noites inteiras.
Amanhã vou à manicure, e decidi passar, pela quarta semana consecutiva, a mesma cor rosa fosforescente. Quem sabe o esmalte dá conta de iluminar minha certidão de nascimento.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Super Herói


Há poucos anos conheci um homem que hoje configura-se como meu grande herói. Nem Batmans ou Supermans me conquistaram como ele, talvez porque sempre me pareceu que ele simplesmente não enxerga obstáculos. Quando o conheci, ele havia acabado de terminar de lutar com toda a sua força contra um problema imensurável, e eu demorei a perceber as consequências, tão feliz e lindo meu herói era.
Dentre as coisas maravilhosas que aprendi com ele, meu namorado, meu herói, como a escolher por mim mesma quando precisasse, ou viver mais intensamente ao invés de simplesmente me acostumar, ainda tento aprender de seu otimismo para com as situações da vida.
Penso que meu herói voa por todos os tipos de lugares, mas que todos os lugares, para ele são simplesmente campinas: planícies descampadas, pouco acidentadas e sem arvoredos, me contou o dicionário.
A verdade é que tudo o que eu quero que meu herói saiba é que sou uma grande admiradora de sua escolha de voar por campinas. Campinas, definido como este lugar de larga extensão e nenhum obstáculo, parece mesmo se assemelhar a ele. Que ele, meu herói, tenha todas as alegrias da vida, todas as tranquilidades, todos os prazeres, que ele se felicite em campinas.

sábado, 27 de março de 2010

Presentes para se amarrar o cabelo


A família de minha mãe é, em sua maioria, formada por mulheres.
De cabelos longos ou curtos, enrolado ou lisos, louros ou castanhos, compomos um total de sete mulheres, desde a avó até as netas.
Pessoas chegaram, outras se foram, e, há cinco anos, minha tia, única irmã de minha mãe, se tornou avó.
Seu primeiro neto, e não o último, como aconteceu com minha avó, nasceu menino. Aliado a meu irmão, único menino até então, que há dezoito anos atrás fez os olhos de minha avó brilharem por trás das lentes, diante da possibilidade de presentear um neto com uma bola de futebol, ou um boné, Arthur nasceu.
No início deste ano, minha tia descobriu: novamente avó.
Na última terça-feira, minha prima, a mãe do bebê, visitou o médico, na tentativa de ter as primeiras notícias sobre o sexo da criança, ainda com quatorze semanas de vida.
Após a descoberta tão esperada, mãe, pai, filho pequeno no consultório, o telefone da casa da minha tia tocou:
- Vó, adivinha?
- Hum... não sei! Preciso de uma dica!
- Dá pra amarrar o cabelo.
Minha avó, já falecida, há tempos ausente, não teve tempo de saber que mais uma menina virá para o time que ela deixou.
Minha tia, que virou avó depois que pessoas chegaram, outras se foram, sabe que precisará de aulas sobre como presentear meninas, entre amarrios de cabelo e casas de bonecas, coisa que minha avó sempre fez muito bem.

Andreia Hernandes

27/03/2010

terça-feira, 16 de março de 2010

Pausa


Confesso que sempre tive dificuldade em ser uma pessoa tradicional, desde muito pequena.
Enquanto as crianças da pré-escola gastavam horas em ensaios para peças de dia dos pais e dia das mães, a professora gastava tempo comigo, tentando me convencer a integrar o corpo de alunos organizado em cima do palco.
Alguns dos colegas de classe eram extremamente desinibidos. Uma das amigas, de nome igual ao da minha mãe, há pouco tempo havia encenado a florista em um teatro da sala – eu, mais uma vez, ausente - ganhando um sorriso emocionado da mãe e de outras mães, incluindo, é claro, a minha.
Resolvi que no próximo evento, fosse teatro, fosse coral, eu teria um papel. Diante de minha iniciativa, num dia normal de fim de ano, a professora me nomeou oradora da formatura do pré-primário.
Treinei meu discurso, preparado pela professora, durante longas noites, em casa. Minha mãe, sentada na cama, ouvia e orientava nas pausas que deveriam ser silenciadas diante das vírgulas, ou nas pronúncias equivocadas de apenas um ano de leitura.
No dia do evento, com o discurso colado numa cartolina branca lotada de estrelas azuis no verso, num vestido branco combinando com os sapatos e com o arranjo do cabelo, comecei a ler o texto da oradora.
Vendo minhas avós e minha mãe sentadas na terceira fileira, fui descrevendo por meio de minha voz, a voz da sala toda, em despedida do primário.
No final do texto, tive um encontro com a palavra “quando”, iniciando o último dos parágrafos.
Lembro-me que a pausa, sem a existência da vírgula, aconteceu.
Por alguns segundos, tempo suficiente para que a professora me soprasse “quando” ao ouvido, imaginando que me perdi na leitura, ou me confundi, fiquei paralisada, lendo a mesma palavra em minha mente.
Não sei o que pensei, mas hoje penso que talvez não tenhamos terminado a leitura dos “quandos” de nossas vidas. Sei também que às vezes estamos diante de platéias que nos cobram, em tom imperativo, esses “quandos”, tão modificadores de nossas ações, tão advérbios.
Mas o que me consola é que existe a pausa, na qual o que pensamos, dentro de nós, pode morar, sem medo de qualquer gramática, apesar de sopros, de olhares milhares.
Andréia Hernandes
16.03.10