segunda-feira, 28 de maio de 2012

Coxinhas para quem sabe guardar um segredo


Dizem que toda e qualquer pessoa do mundo possui dentro de si um segredo. Pode estar guardado por amor a alguém, por medo da perda ou da mudança, por respeito para com o outro, dentre tantos outros motivos.
Há quem morra carregando seu segredo. Há quem morra por um segredo. Mas há também quem nasça com um.
Ontem, fim de tarde, fomos à casa da avó – do marido, mas que assumi como minha, com muitíssimo prazer-, que fritou coxinhas que ela mesma fez com todo o carinho de avó.
Família sentada na mesa, muita conversa por entre coxinhas, molhos de pimenta e refrigerante, a avó revelou: Quando o Nando – neto do meio - nasceu, no dia do nascimento, foi pro colo do avô. Lá, ele falou, contou um segredo.
Sobre o segredo, o avô nada disse. Só comentou que o neto ia ser gênio, porque sem saber falar, falou, sem saber falar, segredou algo que cresceu na cumplicidade dos dois.
Anos depois, o avô se foi, e levou com ele o que o Fernando falou no dia em que saiu da barriga da mãe. Dizem que segredo não é pra ser contado, e não foi.
Sem poder saber do segredo, faço as minhas elucubrações: Certamente o bebê comemorou o colo e as delícias da casa dos avós. Só lá coxinhas são fritas no domingo à tarde, só lá os pés de limão rosa despontam os galhos na janela da cozinha, só lá as paredes são coloridas pelas fotos de infância desbotadas, arte de valor inestimável, só lá as lembranças moram, junto, é claro, com os segredos.

domingo, 27 de maio de 2012

Entre Sierras y Reynas

Modéstia é uma coisa que não se encontra em qualquer esquina. É fácil encontrar quem goste de se autocongratular e elogiar, e raras são as pessoas que nos deixam elogiá-las.
Na semana passada estive em Cordoba, na Argentina, num Congresso sobre Gênero.
Por entre suas serras, seus cachimbos, seus lomitos e humitas, a cidade cordial deixou memórias das quais tenho a certeza de que sentirei falta.
Por entre suas igrejas, faculdades, parques e fontes, a cidade dos leitores e das livrarias, imprimiu em minha vida marcas que vão desde o âmbito pessoal ao acadêmico.
Querendo arriscar na apresentação do trabalho, já que foram mais de 1930 km de distância, rasguei meu espanhol - metade neologismo (professora geralmente tem licença linguísitica) e metade português - , conversei, e ouvi muito sobre gênero. Sobretudo vi e ouvi sobre Reyna Carranza, nas palavras dela mesma.
Colocando em questão correntes literárias e crenças da academia, Reyna falou sobre suas personagens, construídas com tanto afinco; sobre a própria Reyna, e por que não dizer sobre a Reyna personagem, marcada pela condição cultural, política e social; falou sobre a Reyna mulher, tão feminina, tão feminista.
E depois, ah, depois, depois, de tudo o que ouvi sobre a Reyna; depois de ganhar dela um bem dos escritores autografado “com o meu afeto, para Andreia e Luis”; depois de guardar o momento com fotos e sorrisos; depois de chegar em casa, ainda leio no meu mural do facebook a Reyna me dizer que Luis e eu enriquecemos o seu evento.
Por estas e outras é que Córdoba está no meu ranking de cidades preferidas. Porque a cidade, descomprometida e modesta, escondida por entre as serras, abriga e preserva relíquias e pessoas tão cheias de virtudes e valor.