sábado, 31 de julho de 2010

31 de julho


Querendo fechar o mês, sem querer abrir feridas - e não tendo como - pensei em contar que hoje, dia 31 de julho, seria aniversário da minha avó, falecida há 11 anos.
Todo mês de julho, férias na casa dela. Nesse mês, ela começava, e seguia, até o dia 31, perguntando:
- Será que esse mês tem 31? – esperando que não tivéssemos esquecido do aniversário que vinha caminhando devagar.
Aquele mês tinha 31.
Mas ela se foi, e desde então, todos os meses para mim, tem tido 31...
31 razões para eu querer que ela tivesse me visto quando passei no vestibular, 31 razões para eu querer que ela conhecesse meu primeiro namorado, 31 razões para querer compartilhar com ela do meu primeiro emprego, 31 motivos para querer mostrar a ela cada sapato novo - ela amava sapatos, como eu -, 31 razões para comer as comidas que ela fazia tão bem, que eu amava, e ainda amo. Eu tinha, e tenho 31 motivos para acreditar que minha avó não poderia ter ido assim, tão cedo.
Hoje é dia 31. São onze anos de saudade, foram 14 de convivência, e o mês 12, dezembro, morreu, com ela, quando ela nos deixou.
Entre tantos números, me pergunto se julho terá sempre 31.
Porque se houver, e acho que vai ter, ela não precisa ter medo de ser esquecida.
Agora, se não houver, gostaria de dizer a ela que ela ainda tem e sempre terá, os meus 364.

terça-feira, 27 de julho de 2010

À prova de tudo: Dicas de Sobrevivência


Ainda estou pensando em como pode estar se sentindo a mãe do menino Rafael Mascarenhas, atropelado e morto na semana passada nas ruas de São Paulo.
Sei que ela deve estar buscando por justiça, mas sei também, e ela também sabe, é que a justiça fará pouco por Rafael.
Me entristece demais saber, ou não saber, nas mãos de quem estamos. Deixar nossa segurança aos cuidados de pessoas tão pouco comprometidas, que aceitam transgressões, propinas, fecham os olhos aos mais nítidos sinais de infrações, é ter que assumir que estamos sós.
Gosto muito de assistir a um programa transmitido pela Discovery Channel chamado À prova de tudo, ou Born Survivor, no inglês.
A cada episódio, o grande enfrentador de perigos, Bear Grylls, ensina como sobreviver em uma situação de risco.
Grande fã, atenta a cada episódio, me emociono com a perspicácia do rapaz. Querendo aprender sempre, lembro bem de como devo proceder em alto mar, caso venha a naufragar. Chegando em uma ilha deserta, sei que devo me instalar sobre uma árvore, sei que devo procurar um rio, porque suas margens são regiões habitáveis. Sei que posso comer de determinadas árvores, confiar ou não em determinados animais.
Também aprendi a ser uma expert dos desertos. Sei que mesmo com o calor, poucas roupas são inadequadíssimas. Aprendi que alguns calangos, caso haja coragem para comê-los, podem ser ótimas fontes de proteínas... e outras coisas desse tipo.
Mas o que o Grylls ainda não me ensinou é como sobreviver num país como o meu. Não sei ainda quais pessoas são confiáveis, que tipo de necessidades esdrúxulas e extremas precisamos presenciar para que haja justiça, ou que conduta precisamos ter para que não sejamos abusados diariamente, de todas as formas.
Acho que só me falta esse episódio para estar preparada, assim, para tudo!

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Ser urbana é...


Amo viajar. Um dos momentos que me incomoda, porém, das viagens, é ter que fazer as malas. Mas a verdade é que preciso confessar que faço malas maravilhosamente organizadas.
São diferentes nécessaires para cada coisa: uma para maquiagem; outra para as jóias; outra diferente para os xampus, condicionadores, cremes sem enxágüe, essas coisas que vão para dentro do banheiro; e outra para os perfumes, hidratantes, que moram em cima da penteadeira, se é que ainda se fala assim.
As roupas vão organizadas pela ordem em que as planejo usar, e os sapatos, em saquinhos separados, bem como as roupas íntimas.
A exceção do capricho todo, porém, é que a mala em que viaja tudo isso, todo este material cuidadosamente separado e arranjado, nunca recebeu minha atenção.
Viajo muito, viajo sempre, por conta da vida acadêmica, por conta do relacionamento à distância, e geralmente carrego todo o aparato para viagem em uma mala qualquer que encontro no maleiro. Isso inclui, com freqüência, carregar meu mini closet em uma mala cinza e molenga do Posto Ipiranga que meu pai ganhou ao abastecer um tanto “x” de combustível.
Acontece que eu não tinha me dado conta de que andava assim, parecendo um dos cinqüentões que saem da sauna do clube onde freqüento. Decidi, então, comprar uma mala decente, sem emblema de posto de gasolina e firme o suficiente para não parecer que um bode mascou as minhas camisetes.
Na loja, procurei bem pela mala perfeita: que coubesse bem no carro, fizesse jus à necessidade, e entrasse em acordo com o bolso. Depois de muito procurar, de analisar o peso, a praticidade, a qualidade das rodas, os zíperes para privacidade, as telinhas para acomodar objetos menores, encontrei uma mala vermelha, deste vermelho sangue, lindíssima, firmíssima. E comprei.
As nécessaires, as roupas e os saquinhos cor nude, foram maravilhosamente organizados dentro da mala nova e logo mala e pertences fizeram um conjunto magnífico para a minha viagem de fim de semana. Minhas melhores e mais novas roupas, o novo scarpin, altíssimo, famoso meia-pata, pareciam repousar num luxo dentro daquela mala vermelha, que senti vontade de compartilhar com alguém sobre meu novo investimento.
Liguei para o namorado, que me espera no destino, para um fim de semana de muitos passeios, depois de um fim de semana de saudades, e contei da mala nova.
O namorado, do outro lado, prático, objetivo, o namorado homem, querendo ajudar, sem querer, sem saber, recomendou:
- Ihhh, amor... Minha família e eu pensamos em ir para o rancho neste fim de semana. Será que você não deveria trazer a mala velha mesmo???

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Nove meses


Há nove meses atrás tive uma das piores sensações de toda a minha vida. Foi um susto daqueles que jamais se esquece, ainda que outros sustos venham, ou mesmo que alegrias surjam.
Minha prima, queridíssima, daquelas pessoas nas quais não se encontra defeito, se aproximou, como nunca eu tinha presenciado, da morte.
Foi durante o período da terrível gripe A que ela passou por algo que primeiro diagnosticaram como sendo um resfriado. Depois de três hospitais diferentes, desmaios, medicamentos de toda espécie, a notícia cortante chegou: era uma pneumonia, gravíssima.
O processo foi muito rápido: do leito do hospital para o Centro de Terapia Intensiva; de lá para o coma induzido, tantos dias, muitos dias; e quando nos pareceu que era impossível piorar, tivemos o encontro com o que chamamos, hoje, de a segunda-feira negra.
A médica que a salvaria, que nos salvaria, com lágrimas nos olhos, impotente, como um de nós, pediu que nos preparássemos, pois aquele poderia ser seu último dia. Voltamos para casa sem acreditar no que acontecia, em silêncio. Talvez porque não existissem palavras, talvez porque elas estivessem morrendo com a Josi.
A noite daquela segunda-feira pareceu nunca terminar. O sol demorou a nascer, os carros insistiam em não querer trafegar. Em cada casa, um pedaço da família, com os ouvidos colados aos telefones, esperando pelo pior, padeceu um pouco.
Mas o dia precisou amanhecer. E, usando das palavras dos especialistas, o dia seguinte configurou-se como a terça-feira do milagre.
Aqueles mesmos pulmões, antes em processo de falecimento, sem mais saber trabalhar sozinhos, experimentaram, de repente, um sopro de vida. Os pais, sogros, tios, primos, o marido, todos respiraram com ela, tomados pela emoção, honrados pela fé.
E o sopro de vida na vida dela permaneceu e se estende até os dias atuais.
O mesmo telefone tocou hoje, nove meses depois de ela ter sido gerada novamente, anunciando que a vida continua acontecendo maravilhosamente: Minha prima será mãe.
O que sinto agora, imersa em emoção e felicidade extremas, é que o que parece um dia negro, pode tornar-se, inesquecível e eternamente, milagre. Talvez custe um pouco de sofrimento, ou quem sabe venha abarrotado de angústias, mas nunca pode ser considerado sem saída.

domingo, 18 de julho de 2010

Um dia é do frio, outro do calor...


Acho interessante como a maioria dos homens tendem a uma objetividade e simplicidade extrema. Às vezes me pego irritada com esta marca de nascença deles, às vezes rio. Depende da gravidade da consequência desta característica tão peculiarmente masculina.
Esta última semana foi marcada pelo clima frio. Minha cidade é conhecida pelos ventos devastadores, que nestes últimos dias, eram devastadores e cortantes, de tão gelados.
O que me encanta no frio é que ficamos muito mais elegantes. Roupas há tempos não usadas são tiradas do guarda-roupa, e a sensação é de que estamos a trajar tudo novo, de novo.
Meu pai reclamou, na última quarta-feira de frio intenso, que estava sem um moletom mais grosso para brigar contra o ar gelado daquele dia. Usou, durante a manhã, tarde e noite toda, uma blusa de meu irmão.
Amanhecendo, na quinta-feira, minha mãe sugeriu:
- Deveríamos comprar uma blusa de frio pra você. De fato você não tem nenhuma para os dias mais gelados.
A resposta veio curta e objetiva como muitas coisas do gênero masculino:
- Não tem necessidade! O tempo hoje já esquentou mais!
Achei uma teimosia. Entendi, porém, que os homens partem, e sempre partirão da necessidade real das coisas. São pouco precavidos e vivem do instantâneo e do momentâneo. Se o frio já passou, pra que blusa?
Simples assim.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Esses namorados...!


Namorar à distância é e sempre será um desafio merecedor de um prêmio. As dificuldades parecem se potencializar diante da falta do relacionamento olhos nos olhos.
Meu namorado vive longe. Nos conhecemos assim, e tem sido assim desde sempre. Nunca namoramos de perto. Costumo dizer que o máximo da aventura amorosa para mim seria, em plena quarta-feira, fim de tarde, um capuccino no shopping. Estou acostumada a pizza, apenas aos fins de semana.
Na noite passada, nos encontramos, online, no MSN.
É raro, e sempre uma alegria, poder conversar em suporte digital, auxiliada por câmeras pelas quais se vê em tempo real.
Depois de alguns minutos de conversa, o sistema me pareceu lento, e me perguntei se a conexão havia caído. Pensei correto. Logo após a queda da conexão, o notebook, já velho, de acordo com os parâmetros da informática, desligou, agora por falta da bateria.
Imediatamente me levantei da escrivaninha.
Procurei pela fonte de alimentação do computador, enquanto lamentava pelo acontecido, já que tão raramente ele usa da internet, enquanto imaginava se o amor distante ainda estaria lá depois de longos minutos distribuídos entre inicialização do computador, conexão da internet wireless, conexão do bate-papo MSN.
Depois de todo o processo, nada curto, ansiosa li o nome do namorado entre os conectados do MSN. Depois de me desculpar pela queda da conexão, expliquei, antes que ele digitasse qualquer letra, sobre o desligamento inesperado do aparelho, e da falta da fonte de alimentação, num longo parágrafo.
A resposta dele veio alguns minutos depois:
- Oi, amor! Foi o meu que caiu. Agora que consegui voltar...
E um sorrisinho ‘=)’ sereno e tranquilo no final da frase. Eu não soube se respondia ou aprendia. Acho que ainda não sei.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Armários e vassouras


Sou toda contradições. Costumo dizer que gosto de filmes que mesclam o elemento fantástico com o real, porém ainda não consegui assistir ao primeiro filme da triologia Senhor dos Anéis, tão fantástico é o filme.
Harry Potter, porém, gostei. Penso que me afeiçoei com o caráter puritano do protagonista, e adoro sua amizade eterna com Hermione Granger e Rony Weasley. Também gosto muito da maneira que a escritora, J. K. Rowling, explora o fantástico no livro, que virou filme. Algumas das possibilidades que a magia oferece transformam-se em situações da facilidade e humor interessantes. A vassoura varre a sujeira sozinha, o porta-retratos guarda o momento da fotografia em movimento, os cadarços do tênis se amarram sem que se ponha a mão nos sapatos.
Penso que tenho mesmo uma queda pelo fantástico. Gosto de enxergá-lo até onde não existe. Quando criança, sempre imaginei que o armário da sala de minha avó, cinza, embutido na parede, do teto até o chão, levava a um esconderijo nos fundos da casa.
Com frequência, me trancava dentro dele, enorme, e no escuro tão confortável, imaginava um túnel que me conduzia em segurança para meu refúgio oculto. Lá, eu me escondia dos primos nas brincadeiras de pega-pega, ou da avó, quando alguma safadeza falhava ao tentar ficar, como o esconderijo, oculta.
Até hoje, gosto de pensar que o armário era mesmo mágico. Além do esconderijo dos fundos, fui para milhares de lugares quando dentro do armário cinza. Visitei lugares desconhecidos, bolei planos, tive medo, criei coragem.
Entre outras coisas, procuro ainda, na minha vida diária, tão realista, e sem casa de vó, um lugar que, no escuro, me leve pra onde quero ir e que me revista de sentimentos que estejam me faltando. Enquanto não encontro, penso que já ficaria feliz com a vassoura independente, definitivamente.

sábado, 3 de julho de 2010

Minha avó me disse...


Num dia de verão, enquanto o sol iluminava as rosas do jardim, enquanto os pardais tomavam banho nas gotas de água que pingavam da torneira antiga, minha avó me disse...
Busque sabedoria, por você, pelos os outros. Tomar decisões e dar conselhos são grandes responsabilidades, por isso você precisará de bom senso sempre.
Estabeleça seus alvos com clareza. Não existe nada mais difícil do que prosseguir sem certeza. Pior ainda é querer voltar depois de um longo caminho trilhado.
Se precisar, porém, volte atrás. Orgulho é um sentimento de pessoas que tem dificuldade em perder. Aprender a aceitar a perda é fundamental, até porque você precisará de sanidade mental e de esclarecimento para recomeçar.
Guarde fotos e recordações de amores antigos. São parte do seu passado, e constituem grande parte daquilo que você se tornou. Querer apagar o caminho pelo qual você já passou é tão inútil quanto achar que os outros também o esquecerão.
Não sofra por antecedência. Em segundos a vida pode mudar inteira, e padecer por alguma coisa do futuro é tão inútil quanto torcer para que não chova no dia do seu casamento.
Se importe menos com o que dizem ou vão dizer. Nas horas de angústia, você está sozinho, e poucos terão a iniciativa de te dar uma palavra.
Se precisar, beba. Não faça disso um hábito, porque infelizmente é necessário viver no mundo real. Sabendo quando parar, a bebida é instantaneamente terapêutica.
Expresse-se com jeito. Qualquer crítica ou recomendação será mais bem recebida se bem falada. As palavras e a entonação da voz são importantíssimas para o sucesso de todo e qualquer relacionamento.
Não se exercite mais do que o necessário. O corpo tem um limite que precisa ser respeitado. As pessoas que conheci que viveram mais tempo foram as que se pouparam.
Saiba quando ouvir músicas depressivas. Em alguns dias, elas te ajudarão a refletir e achar a saída. Em outros, elas terminam de engolir seu corpo e mente todos, e não haverá trilha sonora que reverta isso.
Abuse do tato. As maiores descobertas e aprendizados que você provavelmente fez aconteceram na sua fase de reconhecimento, quando bebê. À partir daí é que você conheceu seus gostos, preferências, e anseios. Continue querendo saber mais sobre você.
Seja caridoso. Não existe, no céu, na terra, sensação que supere a de ser cordial e útil para outra pessoa. É encontrar o sentido da sua existência.
Não jante. Acordar com cintura de bailarina não tem, e nunca terá preço.
Entenda e aceite as pessoas mais velhas, por duas razões. Em primeiro lugar, porque elas não irão mudar, depois de meio século vivendo da mesma maneira. Em segundo, porque você chegará lá antes que perceba.
Não se auto-congratule. É cansativo e você corre o risco de despertar o desprezo por você em quem te ouve. Deixe que outros falem sobre suas qualidades. Assim os elogios serão verdadeiros e espontâneos.
Respeite times e religiões. São sustentáculos individuais e variam de acordo com cada personalidade e necessidade. São escolhas, como as que você faz todos os dias, e não haverá quem saiba de fato o que é melhor para cada um.
Seja vaidoso, mesmo dentro de casa. Olhar-se no espelho e sentir-se bem é fundamental para estimular qualquer pretensão de colocar os pés para fora.
Não sofra por limitar sua lista de convidados de casamento. É humanamente impossível convidar a todos. Haverá os que ficarão bravos, e não serão os que realmente se importam com você. Estes serão convidados ou serão compreensivos, justamente porque te conhecem e te entendem.
Sorria, sempre, ainda mais quando não houver motivos. Tudo o que se faz com insistência e persistência torna-se uma verdade absoluta. Além de despertar a curiosidade das pessoas, causará admiração.
E o sol continuou. Por muitas horas ainda iluminou as rosas do jardim. E os pardais tomaram banho até sentirem-se frescos. Minha avó, porém, se foi.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Allan da Palavra



Ando viajando nesse meio cibernético e eclético, que é a internet, de maneira diferente. Decidi dar mais atenção ao meu blog, esquecido por entre o espaço virtual até cerca de dois meses atrás.
Me propus também a conhecer outros espaços. Visito outros blogs. Alguns deles são como o meu, solitários e de um dono só. Outros tem tantos pais que revezam os dias, as semanas, entre seus posts.
Fuçando pelo meio digital, me encontrei com o Blog Bar do Escritor, blog destes com muitos pais. O post mais recente trazia um poema do tradutor Allan Vidigal, sobre a palavra.
Gostei muito da escrita desse paulistano que gosta de whisky e abomina alho.
Penso que ele é tradutor, de fato. Traduziu com majestade as palavras pensadas em palavras escritas, palavras que, de acordo com ele, devem ser agudas, afiadas.
Com minhas poucas palavras, nem tão perspicazes, com poucas arestas, sem grande estética, comentei o post de Allan.
E já que o tradutor, de acordo com ele mesmo, tem dificuldade de escrever sobre si em terceira pessoa, decidi que uma terceira pessoa deveria escrever sobre ele.
Allan gosta de whisky, detesta alho, é tradutor, e é sobretudo um especialista das palavras. Das agudas, das que saltam, das que formam linhas abarrotadas de arestas, esplendidamente encantadoras. De todas estas, ele entende.


Visite: http://bardoescritor.blogspot.com/

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Café no Norte


Há exatamente onze meses fui convidada a integrar um grupo de apoio às famílias castigadas por um desastre no Piauí. Uma barragem de água desabou, invadindo cidades inteiras, destruindo hortas, famílias, sonhos, perspectivas.
Conheci algumas das famílias que sofreram danos irrecuperáveis. Socorro, uma mulher frágil, de nome frágil, tão aparentemente predestinado, perdeu o marido, a mãe, duas filhas, e tios.
Uma outra mulher, Sandra, pediu às filhas que buscassem café na venda próxima à sua casa. Horas depois, as meninas pequenas, sem forças, desistiram de continuar agarradas com toda a força a um enorme cajueiro. Sob o olhar de toda a cidade, da mãe, do avô, apavorados do outro lado da correnteza imensa e negra de lama, e de barulho ensurdecedor, deixaram que as águas as levassem.
Sandra não faz mais café. Se esquece da água no fogo, que seca e some, ironicamente, no fundo das canecas.
Conheci e cresci com estas mulheres por perto. Tenho notícias de que elas têm se recuperado devagar, com a ajuda da família que restou, com a ajuda de programas de apoio, com a ajuda do tempo.
Penso nas novas famílias que vem sendo vítimas de desastres.
Chuvas descontroladas tem provocado imensas catástrofes, e o que me incomoda é a distância.
Mesmo tendo a certeza de que eu poderia fazer tão pouco, como certamente fiz no Piauí, gostaria de estar lá, aprendendo diariamente sobre vida, valores, vontades. Certamente muitas Sandras andam precisando, entre outras coisas, de quem lhes simplesmente ferva o café.

Sem juízo nenhum


Minha mãe é e sempre foi muitíssimo comedida. Diferente de mim, fala baixo, é discreta, cordata e tem um ar de serenidade e de paciência absoluta.
Muitas vezes, na maioria delas em algum momento de correção da mãe para com os filhos, me pego ouvindo suas contações de histórias. Aprendo sobre como ela foi sempre uma criança ajuizada e tranqüila, longe de causar, aos pais, quaisquer problemas.
Essa semana, porém, um fato aconteceu.
Eu, exaurida, com os pés pra cima e braços abertos, descansando em minha cama após uma manhã de malhação, recebi uma visita na janela de meu quarto.
Minha mãe, de roupas encharcadas e cabelo pingando água, com a franja colada na testa, e sorridente, afastou as folhas da janela de vidro e começou a contar. Estava molhando as flores plantadas de maneira a acompanhar a lateral da piscina, se descuidou, pisou em falso, e caiu na água fria das piscinas em mês de julho.
Minha mãe, sempre discreta, tranquila, estava encharcada e realizada:
- Está vendo? Agora tenho histórias de proezas para contar aos meus netos. Ou você estava achando que eu era puro juízo?