quinta-feira, 1 de julho de 2010

Café no Norte


Há exatamente onze meses fui convidada a integrar um grupo de apoio às famílias castigadas por um desastre no Piauí. Uma barragem de água desabou, invadindo cidades inteiras, destruindo hortas, famílias, sonhos, perspectivas.
Conheci algumas das famílias que sofreram danos irrecuperáveis. Socorro, uma mulher frágil, de nome frágil, tão aparentemente predestinado, perdeu o marido, a mãe, duas filhas, e tios.
Uma outra mulher, Sandra, pediu às filhas que buscassem café na venda próxima à sua casa. Horas depois, as meninas pequenas, sem forças, desistiram de continuar agarradas com toda a força a um enorme cajueiro. Sob o olhar de toda a cidade, da mãe, do avô, apavorados do outro lado da correnteza imensa e negra de lama, e de barulho ensurdecedor, deixaram que as águas as levassem.
Sandra não faz mais café. Se esquece da água no fogo, que seca e some, ironicamente, no fundo das canecas.
Conheci e cresci com estas mulheres por perto. Tenho notícias de que elas têm se recuperado devagar, com a ajuda da família que restou, com a ajuda de programas de apoio, com a ajuda do tempo.
Penso nas novas famílias que vem sendo vítimas de desastres.
Chuvas descontroladas tem provocado imensas catástrofes, e o que me incomoda é a distância.
Mesmo tendo a certeza de que eu poderia fazer tão pouco, como certamente fiz no Piauí, gostaria de estar lá, aprendendo diariamente sobre vida, valores, vontades. Certamente muitas Sandras andam precisando, entre outras coisas, de quem lhes simplesmente ferva o café.

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