quarta-feira, 24 de abril de 2013

Sem classe nenhuma, sem nem meia-classe...

Desde muito cedo, ouço minha mãe repetir: "Criei essa menina para ser uma lady!".
 A verdade é que esta parte da criação teve pouco, ou nenhum resultado. E ela sabe. Saí tão moleque quanto o meu irmão, que costuma se surpreender às vezes com o quanto me falta de finesse.
Ontem, enquanto juntava as peças de roupa para a mala paulistana semanal, decidi que acompanharia o marido em um evento na USP. Ele falaria sobre as alterações no Código Florestal, e eu, como uma péssima entendedora do assunto, e um tino excelente para ouvinte, decidi estar junto.
 Enquanto escolhia saia, blusa, sapato, colar, brinco, me lembrei sobre como as manhãs paulistanas, desde a semana passada, andam mais frias do que o normal, decidindo obedecer à chegada do inverno. Uma meia calça, definitivamente estava nos meus planos, mas não na minha gaveta.
De olho no relógio, busquei uma loja que vendesse a meia, e que ainda pudesse estar aberta. As novíssimas Lojas Americanas do interior fariam meus planos se concretizarem com exatidão. Odeio assumir e ter que entrar na dança, mas roupas femininas geralmente exigem um aparato de combinações, sobreposições, interpretações, e submissões tão intensas, que chego a me cansar - sim, eu e minha pouca finesse.
Na loja, fui apresentada - e me deixei levar - por dois diferentes tipos de meia-calças, uma mais grossa, fio 70, canelada e chique, me prepararia para um clima mais gelado, e a meia-fina comum certamente me socorreria se a manhã amanhecesse fresca.
O dia nasceu fresco, e a meia calça mais fina se fez útil.
O dia nasceu, vesti a meia calça, e só posso dizer desde cedo ando incomodadíssima! Desde cedo só o que sinto é o sapato sair do pé, a saia subir à medida em que ando, a pele pinicar, e, independente da finesse - ou não-finesse -, só penso em chegar em casa e dar um fim na ladainha que começou ontem: mala, saia, camisa, maquiagem, sapatos, lojas americanas, tempo, fina, grossa, fresca, fria, canelada, lisa, inteira, meia, meia, meia!
Odeio desapontar a minha mãe, tão lady, tão dona de uma gaveta abarrotada de meias-calças de pernas longas, curtas, médias, pretas, cor da pele, cafés, todas elas, dela!
Mas a verdade é que penso que quem sabe eu tenha mesmo pouca classe, talvez nem uma classe que seja, ou, com certeza, nem meia-classe...

terça-feira, 16 de abril de 2013

Só passando o tempo...


Há dois dias cheguei de viagem. O fuso, tempo dentro de outro tempo, e que me deixou presa lá, com o corpo aqui, ainda anda tirando o meu sono e me fazendo trocar a noite pelo dia, e confesso que ganhei um belo par de olheiras que não haja maquiagem de free shop que resolva...
Além disso, minha viagem mexeu com outra concepção de tempo. Voltei a lugares que visitei há doze anos, revi pessoas que a internet tratou de aproximar depois de tanto tempo, pessoas tão mudadas, tão mães, tão chefes de família, tão empreendedoras, tão adultas, porque o tempo, independente do fuso, passou aqui, passou lá.
O tempo de lá levou pessoas queridas, que eu gostaria de rever, fez nascer outras, que aprendi a amar, mesmo estando há tão pouco tempo juntos. O tempo, aqui e lá, fez a gente crescer, fez a gente escolher uma companhia pra quando o tempo nos deixar mais solitários, fez a gente sair de casa e seguir os próprios passos e fazer a própria história e o próprio caminho. 
A verdade é que o meu caminho me levou até lá. Uma vez mais. Mesmo depois de tanto tempo.
Na volta, dentro do avião, eu pensava no tempo. Pensava sobre quanto tempo havia passado, sobre em quanto tempo eu me encorajaria a voltar lá, sobre como o tempo estava sendo cruel por não voar mais rápido que o avião, me sujeitando a catorze horas sentada, com todo o tempo do mundo para não fazer absolutamente nada.
E enquanto pensava no tempo, em pouco tempo me lembrei: Me olhando no espelho do banheiro do hotel, não é que eu achei um punhado de cabelos brancos?!

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Vitrine de mim


Algumas crônicas nascem quando estamos tristes, e confesso que prefiro as que brotam de momentos felizes.
Desta vez, porém, mesmo depois de tanto tempo sem escrever, sou obrigada a aceitar que São Paulo tenha me trazido uma crônica abarrotada de tristeza, ou quem sabe eu tenha me aberto a ela.
Querendo me distrair, já que tinha toda uma tarde paulistana pela frente, eu, sozinha, achei que passear por entre as vitrines da Rua João Cachoeira, perto de onde me hospedo com frequência, seria uma boa opção.
Enquanto entrava e saía de lojas, experimentando vestidos, escolhendo saias, paquerando de tudo um pouco, resolvi entrar em uma loja de aparência simples, e perguntar por um belo shorts social que vestia um manequim na vitrine. Uma senhora rapidamente saiu de trás do balcão no fundo da loja e veio em minha direção.
Enquanto ela caminhava, meus olhos precisaram segurar as lágrimas.
Descobri naquela senhora um retrato fiel de minha avó, falecida há treze anos.
Tentando exercer meu autocontrole, achei bom revelar a ela o motivo de meu espanto, antes que minha expressão surpresa pudesse soar algum outro tipo de estranhamento. Quando as lágrimas começaram a cair, porém, deixei a loja antes mesmo de perguntar pelo shorts, do qual eu nem me lembrava mais.
Enquanto andava pela calçada, voltando para casa, decidi deixar as lágrimas nascerem e morrerem sem poupá-las, talvez porque eu sempre as tenha reprimido. Tenho, sim, dores, tenho uma saudade imensa, sofro diariamente, somando o tempo que já se passou sem que eu tenha podido vê-la, e calculando quantos anos ainda terei sem poder ver seus olhos verdes, tão claros, como aquela vitrine, tão iguais aos daquela senhora da loja da Rua João Cachoeira.
Enquanto andava pela calçada, mensurava o quanto eu daria para ter um minuto que fosse com a minha avó uma vez mais, e revelar a ela a diferença que a ausência dela fez na minha historia, na minha trajetória. Ah, se ela soubesse...
 Enquanto andava pela calçada, decidi escrever esta crônica, triste, daquelas que não gosto. Achei que devia revelar, em tom de vitrine, sobre como ainda sofro. Achei que podia e devia contar sobre como uma tarde sozinha pode se tornar uma tarde solitária, cheia de saudades e de sonhos.
E continuei, de vitrine em vitrine, de lágrima em lágrima, de calçada em calçada.