sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Com barba e regado a café.


Me considero hoje uma pessoa menos medrosa, de menos pudor. Arrisco o quanto puder, brinco mais, sofro menos, aproveito melhor e ao máximo tudo o que é risível.
Ontem ao final da tarde, meu pai, que fala pouco, compartilhou comigo uma idéia. Ano que vem, 2012, meu avô, pai dele, falecido tão cedo, faria 90 anos de idade.
Querendo lembrar, querendo comemorar quem deveria estar e não está mais, meu pai quis montar um livro com contos sobre o pai. Me perguntou se eu poderia ajeitar a redação, deixar mais doce, talvez mais poético, histórias sobre o meu avô, que passaram tão rapidamente, tão ásperas e que andam por aí sem poesia nenhuma.
Gostei da idéia e fiquei disposta a tentar. Antes, porém, de organizar e brincar com as idéias do meu pai, pensei em brincar com as minhas. Pensei em trabalhar com as lembranças que eu tinha de um avô pouco peculiar.
Escondido atrás dos óculos de armação marrom estava o meu avô de nome de rocha. A fronte era calva, a testa franzida e sisuda, e os cabelos caíam grisalhos e despenteados nas laterais apenas, por cima das orelhas.
Meu avô era grande e forte.
Sempre com um par de calças jeans sujos de trabalhar no sítio, botinas em tom de marrom, quando deveriam ser amareladas, e a camisa entreaberta, passava horas sentado, ao final da tarde, em frente à casa, observando o movimento que aumentava e diminuía conforme as horas se passavam.
Quando o meu avô se foi, eu era, assim, muito nova. Tive pouco tempo de avô Pedro, além de ter desenvolvido um certo medo e respeito excessivo em relação ao avô alto, forte, sisudo e de poucas palavras – de onde vem as poucas palavras do meu pai.
Mas guardo bem o jeito dele de provocar a nós, netas. Com a barba sempre por fazer, meu avô nos abraçava e lixava as nossas bochechas o quanto pudesse, até que nossos gritos chegassem até a avó, e dela partisse o socorro.
Me lembro também da primeira frase que eu ouvia do meu avô quando o motor da caminhonete c10 azul desligava na garagem: - Délia – a avó – tem café?
As lembranças são poucas, fragmentadas, e passeiam perdidas pela minha mente quando resolvo virar criança novamente.
Gostaria de poder hoje, hoje que me considero mais abusada e menos pudorosa, enxergar melhor o meu avô que ficava escondido atrás dos óculos e das botinas sujas de barro.
Queria rir mais, provocar de volta, talvez dar o troco em forma de cócegas ou mordidas ao invés de pedir socorro, querendo converter o rosto sisudo do avô em sorriso.
Se fosse possível hoje, eu contava pra ele que é só chegar o fim-de-tarde e eu descubro que não sei ficar sem café, eu e meu pai.
Contava também sobre o meu pedido incansável para que meu noivo deixe de fazer a barba sempre que pode, porque eu amo barba por fazer, e nunca peço socorro.
Eu contava tanta coisa e faria tudo tão diferente se fosse hoje... mas hoje só posso esboçar as linhas do pensamento para as do papel. Enquanto isso, vamos preparando os contos de aniversário. E que venham os 90 anos do avô Pedro!

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Casinha...


Neste último fim-de-semana, enquanto separava, um a um, meus livros infantis, fazendo a mudança para a casa nova, casa de noiva, me encontrei com um de meus livros de infância preferidos: Luciana em casa da vovó.
No livro, Luciana passeia por entre as roseiras da avó, come das frutas do pomar, experimenta das delícias feitas pela avó cozinheira, e brinca de brincadeiras que só se brinca em casa de vó.
Acontece que eu me achava muito parecida com a Luciana. Como eu, ela ela amava brincar de casinha com as coisas da casa da avó, amava as brincadeiras que brincava por lá, tanto que andei exigindo da família a permuta de nome. Só atendia se me chamassem de Luciana.
Penso que minha avó, dona da casa que eu, como a Luciana, amava frequentar e brincar, ia hoje poder frequentar a minha casa nova.
Sei que ela iria amar...
Sei que ela adoraria saber que o anel que ela me deixou há 12 anos, pouca coisa antes de ir, tornou-se no dia 4 de junho o meu anel de noivado.
Imagino minha avó, costureira, me ajudando a escolher os detalhes das toalhas de linho da sala, palpitando sobre as capas das almofadas, encantada com as cortinas de lese para o banheiro.
Hoje não me chamo Luciana e penso que tive pouco tempo de casa de vó. Mas ainda que não possa mais admirar as roseiras da minha avó, estou muito feliz, porque vou ser a dona de um lindo jardim de agapantos. Ainda que não possa mais comer de uma imensidão de frutas no fundo do quintal, agôo com frequencia uma linda jabuticabeira num vaso muito bonito. Ainda que eu não saiba fazer bolinhos de chuva, pastéis, ou bolos como ela fazia, confesso que estou cometendo minhas primeiras ousadias na cozinha.
Tenho estado assim, esperançosa, porque meus dias de brincar de casinha estão, finalmente, de volta.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

TPM ou paixão – ou os dois, e por que não?


Não sei se sou uma boa contadora de histórias. Não sei se sei ser engraçada ou não, se minhas ênfases são pertinentes ou não, não sei se sei.
Mas um dia desses, me propus a contar a um amigo, uma história que me aconteceu quando criança. É na verdade uma história sobre uma história:
Minha mãe, que me comprava muitos livros de contos de fada - que eu sempre amei ler - chegou em casa em um fim de tarde, com o livro “A sereiazinha”, da Coleção Contos de Andersen.
O livro era lindo, capa roxa, grande, e me atraiu instantaneamente. Ainda sem ler, comecei a folhear o presente, reparando nas ilustrações.
A sereia sentada na pedra, a sereia com os cabelos trançados, a sereia com a cauda em movimento pelas águas do oceano... a sereia, que sempre foi uma fantasia das meninas pequenas... Ainda me lembro que bastavam dois minutos na piscina do clube com as amigas para cruzarmos as pernas imitando uma cauda e sairmos nadando, imitando as sereias.
Continuei folheando o livro, até que me encontrei com a ilustração do príncipe.
O príncipe. Ahh, o príncipe, que decepção! As coxas eram extremamente grossas e o pescoço também. A cabeça, uma esquisitice: minúscula, láá no topo do pescoço.
O príncipe me pareceu feminino demais, e além de tudo, feio! Isso era inconcebível! Um príncipe feio!? Em nenhum outro livro de contos de fadas eu havia visto um príncipe feio! E fechei o livro.
Não li. Nunca mais. Até hoje, talvez uns 18 anos depois, ele continua morando na estante do escritório, fechado, guardando só pra ele a história de uma moça-peixe que foi condenada a viver embaixo da água com um príncipe quadrilzudo e de cabeça pequena.
A verdade é que, depois, levei aaaanoss aprendendo que os príncipes não eram necessariamente bonitos. Ou não eram necessariamente perfeitos. Era possível que eles tivessem um defeito ou outro...
Acontece que em um período curto de tempo, recentemente, fui obrigada a me esquecer de meu longo aprendizado sobre a realidade dos príncipes, e achei isso tão importante, que não pude deixar de compartilhar.
Meninas: existem, sim, príncipes perfeitos como os dos contos de fadas.
Eles são lindos, maravilhosos, gentis, atenciosos e nascidos para surpreender, todos os dias, pela manhã, pela tarde, pela noite, garotas como nós, leitoras de contos de fadas, justamente quando nossa crença nestas histórias maravilhosas estavam a esmaecer.
Sem saber se sou boa em contar histórias ou não, sem saber se esta crônica nasceu em da sensibilidade à flor da pele resultante da TPM ou se foi paixão, - ou os dois, e por que não? - uma coisa eu não deixo de contar, e recomendo que as meninas que encontrarem esses protagonistas dos contos de fadas, também não deixem:
Nunca deixe de contar, de lembrar o seu príncipe de que ele é especial, de que ele é único, de que ele é, de fato, um príncipe.
Eu não deixo!: “Já te disse hoje que você é um príncipe?”

Princípio da Contraditoriedade


Anteontem uma pessoa querida me deixou um recado no Orkut: Andréia, por que é que você não tem mais escrito no seu blog?
Curiosamente, não respondi. Até agora. Simplesmente porque não sei a razão de não ter mais escrito no blog.
Isso me leva a pensar no que nos desperta a vontade de escrever. Em algumas épocas não escrevemos porque estamos correndo demais e não há tempo para distrações. Em outras épocas, escrevemos porque estamos correndo demais, e precisamos de distrações.
Talvez precisemos de um fato que nos sobressalte, de um momento delicado que toque em nossas crenças, na nossa fé, ou talvez não precisemos de nada para escrever, porque o vazio pode ser tão simbólico quanto a plenitude.
Somos assim, incrivelmente complexos e contraditórios.
E por falar em complexidade, e em contrariedade, nesta semana assisti mais uma vez ao Curioso Caso de Benjamin Button. Ainda me lembro que há alguns anos, quando vi o trailer do filme, a chamada na voz impostada do narrador mexeu comigo: “A vida só pode ser entendida em retrospectiva. E só pode ser vivida olhando-se pra frente“.
Mais uma vez, nossos conflitos expostos. O passado preparando o futuro, o futuro apagando o passado. Os planos crescendo, deixando pra trás as velhas epopéias, as histórias já alinhavadas servindo de aprendizado para as próximas histórias.
Diego, querido, ainda não sei a razão de não estar escrevendo no blog. Mas se te consola, estou escrevendo hoje porque você me lembrou do quanto é bom poder transformar pensamentos em letras, com motivo, sem motivo.
Continuo assim, contraditória, pensando no futuro, esquecendo o passado, lembrando do passado, vibrando com o futuro, e, agora, escrevendo novamente.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

2011 de adulto


Alguns dias depois que mudamos de ano, liguei pra uma amiga, pra saber como foram as festas. Eu sabia que ela havia viajado para o Natal, mas desconfiei que já estivesse de volta.
Conversamos um pouco, e entre as muitas coisas das quais falamos, ela me perguntou se eu andava escrevendo. Respondi que não, e que nessas férias, me esqueci até de que era alfabetizada.
Penso que o cansaço faça isso. O esgotamento de fim de ano foi tão intenso, que nas férias resolvi ser outra pessoa: alguém que não escreve, que não lê, que se esqueceu da profissão, dos compromissos.
O engraçado, porém, ou talvez trágico, é que ainda que nosso estado de espírito queira silêncio e paz, o mundo não para de trazer notícias sobre as quais devemos pensar, escrever, ler.
Ontem à noite, uma outra amiga muito querida me contou notícias tristes sobre ela, sobre sua família, notícia que me entristeceu em uma proporção maior do que ela deve imaginar, notícia que ganhou a página do meu editor de texto, porque não soube ficar quieta dentro de mim.
Sem saber dos detalhes do sofrimento da minha amiga, só penso em poder abraçá-la e dizer que não posso fazer muito, mas o que puder, certamente, farei.
Quero contar pra ela que Deus está no controle de todas as coisas, e que por mais que nos entristeçamos, por mais que estejamos doentes por dentro, estamos aos Seus cuidados.
Eu gostaria, com toda a certeza, de começar 2011 escrevendo sobre planos, perspectivas, votos, visões, mas crescer nos ensina que a vida não é feita apenas de boas notícias.
Um lindo novo ano a essa minha amiga, que merece e sempre mereceu apenas boas notícias. Sabendo que ela sabe disso, reitero que sinto com ela as dores, e aguardo com ela por boas notícias, que virão, certamente virão.