quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Retrato de um par de pés descalços


Sou uma apaixonada inveterada por filmes. Dos hollywoodianos aos clássicos.
Muitas vezes, tarde da noite; os olhos a ponto de lacrimejar; querendo fechar, encontram na TV um filme pelo qual me interesso. Nesse exato momento o sono se vai, e, ainda que eu tenha visto o filme uma infinidade de vezes, meus olhos se abrem como fosse tudo novidade.
Na noite passada, quase madrugada, me encontrei com o filme do meu coração, Peixe Grande, baseado no livro de Daniel Wallace, já visto tantas vezes que seria impossível enumerar.
Em Peixe Grande, o protagonista, Edward Bloom, deixa sua cidade, em busca de um lugar que comporte suas “grandes ambições”.
Logo no começo da caminhada, Bloom conhece um vilarejo chamado Espectro.
Espectro é o retrato do lugar perfeito. A grama é tão macia que os sapatos, desnecessários, são arremessados para cima e passam a morar nos fios dos postes de eletricidade. As pessoas são integralmente felizes e completas e sua vida resume-se a estar a conversar, fazer poesias sobre sua qualidade de vida, e dançar em roda.
Jamais quem esteve em Espectro deixou o lugar, de acordo com os habitantes.
Para o seu espanto, porém, Edward Bloom decide que aquele não era seu lugar, ou não era ainda o tempo fazer, de Espectro, seu lar.
Resolve partir, descalço e só, na iminência de machucar os pés, de ter nenhum subsídio, em busca de algo que Espectro não lhe poderia oferecer.
Não condeno Edward Bloom.
Escolher pela vida pode de fato ser sinônimo de optar pelo mais sofrido, e buscar atingir esta completude é nobre, e nada reprovável. Nossa zona de conforto ganha, muitas vezes, uma proporção que nos impede de crescer e caminhar em direção ao que sempre almejamos.
A realidade deve deixar de ser o limite, e a fantasia e os sonhos, que permitem a busca pelo que pode parecer loucura, são o que de fato traz a felicidade, e permite, também, que se faça outro feliz.
Ao final, no tempo certo, depois de se entregar à exilada vida de soldado, após conhecer seu grande amor, entre sofrimentos e alegrias de todas as naturezas, Edward Bloom retorna a Espectro.
Ele e o vilarejo, mais velhos, mais machucados, estão também mais maduros, e se fazem necessários um ao outro. Da maneira certa, no momento correto, como havia de ser, como haverá de ser, para eles, para nós.

2 comentários:

  1. Parece que os melhores filmes começam quando nosso sono está em nível mais avançado possível.
    Acontece a mesma coisa comigo.

    'A realidade deve ser deixar o limite'.

    Divino, Andréia.

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  2. Andréia, a leirua me fez lembrar de um editorial da Revista Mente&Cérebro que fala sobre o tempo ("Os presentes do tempo"), sobre as facetas da temporalidade, que (à revelia do sujeito) determinam os vários "tempos" de cada um.
    "É possível que tenha razão o paciente que, certa vez, reclinado no divã, constatou perplexo: `Este dia, esta hora, não voltam mais, foram para sempre!´A percepção, aparentemente óbvia, revela a possibilidade única que se esconde em cada instante.... Tempos perdidos, resgatados, desejados, temidos, vividos, sonhados. Em suma, possibilidades. Com as de um caderno em branco."

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