domingo, 15 de agosto de 2010

"O medo é a medida da indecisão"


Penso eu que não tenho, assim, muitos medos.
Não tenho medo do silêncio e não tenho o menor medo de ouvir vozes. Não me preocupo com não enxergar no escuro, e nem com enxergar: vultos, fantasmas, que sejam!
Sou categórica e pouco imaginativa. Se estou em casa, de portas fechadas, e ouço um barulho na sala, não saio imaginando que uma alma penada saiu lá da outra dimensão pra se preocupar comigo e com o que ando fazendo sozinha em casa. Ele, eu, sabemos que não estou a fazer nada de interessante.
Agora, existe um medo que eu tive por muito tempo, com muita intensidade.
Eu tive medo de chuva.
Quando o céu começava a escurecer, eu me ajoelhava no sofá da sala de minha casa, assustadíssima pelo barulho e ficava, chorando, a observar pela janela aquela água sem fim que escorria pelas paredes do jardim de inverno e chacoalhava as plantas.
Acho que talvez eu imaginasse que as águas inundariam nossa casa, ou me assustava com o barulho e a força da chuva.
A verdade é que antes que a água pensasse em nos inundar, eu me afogava nas lágrimas, achando que estávamos perante o fim dos tempos.
Também, quando pequena, sofria por meu pai, sindicalista, que viajava muito a São Paulo. Ainda me lembro da angústia no peito, silenciada, quando o caronista passava apanhá-lo pra viajar. Eram no máximo dois dias na capital paulista, mas que me consumiam, por imaginar meu pai no cenário que eu via noticiado na TV, inundado por água, onde pessoas, animais, casas, carros, todos eram perigosamente ameaçados pela força da chuva.
O tempo, porém, passou. Não moro mais na mesma casa daquele jardim de inverno, meu pai viaja menos a São Paulo, e eu e a chuva nos damos muito bem.
Amo dormir ou acordar ao som da água pingando do pergolado, todo roxo pelas tumbérgias em flor, morando sobre a minha janela.
Também me sinto maravilhosamente bem ao ver o céu escuro, pesado, anunciando que pretende molhar as plantas, lavar as ruas.
Sobretudo, o que mais me ensinou a não ter medo de chuva, é ter descoberto que ela é passageira. Aprendi a gostar de chuva, simplesmente porque entendi sobre sua efemeridade, sobre seu fim.
Se hoje chove, sei que amanhã ou depois, o sol nascerá novamente, decididamente. E será sempre assim.

2 comentários:

  1. Excelente reflexão Andreia, me faz pensar se realmente o medo é a medida da indecisão ou a indecisão é a medida do medo.

    Será que podemos pensar que o medo alimenta a indecisão?? Ou preferimos pensar que a indecisão provoca o medo das rupturas, do novo, impede a elaboração do luto simbólico, de ser feliz, de voltar (ou continuar) sorrindo, ouvindo a canção que alimenta o corpo e a alma ....

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  2. Caro Anônimo,
    Conforme você disse, muito bem dito, o medo altera de tantas formas as nossas percepções e atitudes, que nos inibe e nos priva de atingir maravilhosas aquisições para nossa caminhada diária.
    Existe uma música belíssima da cantora mexicana Julieta Venegas e do Lenine, que fala sobre o medo. Um dos versos da música, inclusive, dá título a esta minha crônica. O trecho da música que mais me chama atenção é este:

    "Medo de olhar no fundo
    Medo de dobrar a esquina
    Medo de ficar no escuro
    De passar em branco, de cruzar a linha
    Medo de se achar sozinho
    De perder a rédea, a pose e o prumo
    Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo

    Medo estampado na cara ou escondido no porão
    O medo circulando nas veias
    Ou em rota de colisão
    O medo é do Deus ou do demo
    É ordem ou é confusão
    O medo é medonho, o medo domina
    O medo é a medida da indecisão"

    Espero que você, outras pessoas, como eu, se lembre sempre que não é necessário ter medo de chuva, do barulho da água pesada contra a cidade, dos gritos dos trovões, porque a chuva passa, e depois, maravilhosamente, sairá sol, clareando e iluminando os ambientes, e em especial, secando as poças.

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