
Ontem, fim de tarde, quando eu saía pra universidade, pra trabalhar, me encontrei, e também me despedi, do jardineiro que chegava em casa para a poda do mês.
Só hoje cedo vi que ele cortou por completo uma trepadeira, chamada jasmim-estrela, linda, que fechava, cobria, todo o pergolado de uma das garagens de casa.
A trepadeira, que derrubava com ela belíssimas flores brancas de cinco pontas, se foi, deixando o ambiente mais claro, menos aconchegante.
Questionei minha mãe sobre o corte da planta, e ela me contou que a trepadeira estava sufocando, matando, se já não tinha matado, a outra trepadeira vizinha, chamada de sapatinho-de-judia, que é um desenho da natureza, que ganha muitos elogios e fotografias quando floresce.
Fiquei pensando que era uma pena. A trepadeira cortada havia criado um ambiente lindíssimo, de muito verde, mas não soube conviver com a outra planta sem atrapalhá-la.
Durante estes últimos dias, enquanto via a ação policial no Rio de Janeiro, fiquei imaginando o tempo que durou o sofrimento das famílias inocentes rendidas ao monopólio dos criminosos.
Por meio de algumas entrevistas, entendi o quanto o tráfico significava leis e regimentos para aquelas comunidades, leis fora da lei comum, leis criadas na humanidade de um grupo desumano.
Foram décadas de exploração, de medo, de incertezas, tudo porque a natureza parece exigir, para o funcionamento de tudo, a hierarquia, o domínio, o comando.
Fico pensando nas linhas tênues que delimitam o respeito ao espaço, aos direitos, ao corpo, à alma, à integridade e à dignidade, e penso que é mesmo difícil pensar em tudo isso quando até a natureza parece exceder seu espaço e invadir e sufocar, se for preciso.
A verdade é que, em algum momento, quando o abuso se torna insuportável, quando a última gota enche o copo, o excedente precisa, e é cortado de vez, pra que o oprimido respire novamente, se ainda não tiver desfalecido.
Tocada pelo que ando vendo na TV, me felicito imensamente, talvez porque sinta que existe uma esperança de aquelas pessoas inocentes, daquelas crianças que já viram a criminalidade e o medo de tão perto, respirarem novamente, aliviadas, tranquilas.
Quanto ao sapatinho-de-judia, que também floresça aliviado. Que agora, sem o lindo jasmim-estrela de flores brancas, tão lindo, tão asfixiante, a planta que fica, floresça ainda mais.