terça-feira, 16 de março de 2010

Pausa


Confesso que sempre tive dificuldade em ser uma pessoa tradicional, desde muito pequena.
Enquanto as crianças da pré-escola gastavam horas em ensaios para peças de dia dos pais e dia das mães, a professora gastava tempo comigo, tentando me convencer a integrar o corpo de alunos organizado em cima do palco.
Alguns dos colegas de classe eram extremamente desinibidos. Uma das amigas, de nome igual ao da minha mãe, há pouco tempo havia encenado a florista em um teatro da sala – eu, mais uma vez, ausente - ganhando um sorriso emocionado da mãe e de outras mães, incluindo, é claro, a minha.
Resolvi que no próximo evento, fosse teatro, fosse coral, eu teria um papel. Diante de minha iniciativa, num dia normal de fim de ano, a professora me nomeou oradora da formatura do pré-primário.
Treinei meu discurso, preparado pela professora, durante longas noites, em casa. Minha mãe, sentada na cama, ouvia e orientava nas pausas que deveriam ser silenciadas diante das vírgulas, ou nas pronúncias equivocadas de apenas um ano de leitura.
No dia do evento, com o discurso colado numa cartolina branca lotada de estrelas azuis no verso, num vestido branco combinando com os sapatos e com o arranjo do cabelo, comecei a ler o texto da oradora.
Vendo minhas avós e minha mãe sentadas na terceira fileira, fui descrevendo por meio de minha voz, a voz da sala toda, em despedida do primário.
No final do texto, tive um encontro com a palavra “quando”, iniciando o último dos parágrafos.
Lembro-me que a pausa, sem a existência da vírgula, aconteceu.
Por alguns segundos, tempo suficiente para que a professora me soprasse “quando” ao ouvido, imaginando que me perdi na leitura, ou me confundi, fiquei paralisada, lendo a mesma palavra em minha mente.
Não sei o que pensei, mas hoje penso que talvez não tenhamos terminado a leitura dos “quandos” de nossas vidas. Sei também que às vezes estamos diante de platéias que nos cobram, em tom imperativo, esses “quandos”, tão modificadores de nossas ações, tão advérbios.
Mas o que me consola é que existe a pausa, na qual o que pensamos, dentro de nós, pode morar, sem medo de qualquer gramática, apesar de sopros, de olhares milhares.
Andréia Hernandes
16.03.10

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