As histórias mais valiosas da
vida costumam ser aquelas que guardam os irmãos, talvez às sete chaves, como cúmplices fiéis, ou mesmo como admiradores, ou quem sabe como co-autores das maiores missões a dois.
Costumo dizer sem medo que é
quase impossível dizer que se está completo, se não houver uma testemunha que
cresceu junto, aprendeu junto, ajudou a apaziguar bronca de mãe, ou, pôs fogo,
como haveria de ser, quando se fala em irmãos.
Ainda me lembro de um domingo à
tarde ensolarado que só ele.
Irmão e eu dentro de casa
curtindo o calor, quando eu me lembrei: precisava guardar o carro na garagem.
Na parte da manhã meu Uno antigo, presente de 18 anos, tinha ficado descansando
na rua porque o controle remoto do portão resolveu desobedecer. À tarde, porém,
problema resolvido, carro urgente pra dentro de casa.
Levantei do sofá, peguei a chave
do carro na mão e fui na direção do portão.
Meu irmão deu um pulo do sofá, e
implorando para que eu arranjasse um programa domingueiro melhor do que a
televisão na Globo, me perguntou:
- Onde você vai?
Querendo ver até onde a coisa ia,
respondi:
- Tomar um sorvete. Vamos?
Mais do que depressa ele agarrou
a camisa regata e saiu andando ao mesmo tempo em que calçava os chinelos. Os
olhos brilhavam e ansiavam passar pelo portão e encontrar a porta do carro.
Sentado no banco,
perguntou pelo dinheiro pro sorvete. A resposta precisava ser a que ele queria
ouvir. Obedeci:
- Tenho aqui pra nós dois.
Tranquilo.
Liguei o carro e dirigimos até o
fim do quarteirão. Na esquina, o balão. Voltei pra trás, abri o portão da
garagem e guardei o carro. Os olhos brilhando estalaram fixos em mim enquanto eu
descia do carro. Eu sem saber se segurava a risada ou se caía na gargalhada, desci calma e tranquilamente.
Quando ele fechou a porta do Uno,
estendeu a mão, gargalhada pura e reconheceu. Foi mesmo uma ótima mentirada. Não
dava pra esbravejar e nem brigar. Era coisa pra contar pros outros, coisa
pra rir toda vez que a memória trouxesse de volta.
No último domingo de sol, relembramos
esta delícia de história, Henrique e eu. Ele ainda reconhece a belíssima tirada
que foi aquela, daquele dia quente de domingo. E nós dois sabemos que essa é
uma daquelas memórias eternas, memória das boas, daquelas que só quem tem irmão
sabe ter.